sexta-feira, 27 de junho de 2014

Elogio ao que levanta

Levanta cedo. O amargor ainda fere a garganta, como um lembrete do que passou e ainda segue. É claro que é apenas mais um dia, apenas mais uma ação, apenas mais um momento, dentre tantos, que vêm e vão, que poderiam não ter nenhum sentido.

Depois de certas coisas, de tantas esperanças gritadas, a tensão presa na cabeça, de horas de pé, soando frio e esperando o resultado , depois de tudo o que se esperou e do que se sentiu parte, este não é um bom momento.
Um dia após o outro, diz o poeta, da rua e do livreto. Livreto que se encontra ali, naquela máquina automática de comprar idéias, muitas delas banais, por “apenas 2 reais quais quer livros”.

Levantar, as vezes, pode ser duro, se de tanta energia, se encontrou o desamparo, o vácuo da solidão, a casa sem móveis, a cabeça sem pressão, a luta sem vitória.
 É inevitável sentir que podia ter feito mais, pensado mais, agido mais, gritado mais, berrado, berrado, berrado!!!
No fundo, no entanto, a gente sabe que não é culpa nossa. E levanta.

 Pra qualquer um já é muito difícil. Levantar, então, já começa a ter um senso de responsabilidade. Não é aquela burocrática, de ter de levantar. Ainda que este não seja  ato o mais agradável, o mais empolgante, sequer comparável a alegria de um ‘Não tem arrego”, que vem dos rincões do dedão e extravasa como explosão nuclear da boca, ouvidos e narizes, a gente levante. Não é o suprasumo da vitória, mas é o preciso, pra nós e pra eles.

E eles são os desamparados, também. Mas não só. É qualquer um que levantou. Qualquer um que vai levantar. Qualquer um que pense em levantar.
Num mundo aonde os joelhos se ralam no dia a dia, as articulações encontram em seu exercício cotidiano o hábito do dobrar, levantar é um gesto de resistência, um gesto de luta, um espasmo da pressão, do ardor, do incêndio que nos toma e tomou.

Levanta e pega o instrumento. Idéias, palavras, pessoas, corredores, trilhos, catracas, sorrisos, lamentos, tristezas, impulsos e a luta. Um fluxo lhe toma, perante aquilo que foi e que, na cabeça de alguns ainda o é.

Levantar é só o começo. As vezes deitar. Veja bem, amigo, “deitar” e não se ajoelhar, render, prostrar, mas deitar, é mais difícil do que levantar.
O deitar é o reino das incertezas, das esperanças, do porvir. O deitar é o reino do futuro. Ao menos quando isto é possível. Mas não apenas do futuro, mas de um futuro preso ao passado, é um futuro que vem do passado, aonde o presente não aparece senão como via de possibilitar esta relação.

Esta, no entanto, amigo, não é a melhor forma de pensar. O futuro, é claro, contém o passado. Mas o que interessa é o presente. É nele, num fluxo incessante de transformação, que a gente faz acontecer. E levanta.

Aquele corredor, hoje cedo, que tomou de assalto, com a garganta amargurada, o peito pressionado, a cabeça no futuro, a angústia do passado, aquele pequeno gesto muda tudo. Mudou a nós, muda a ti, mudará muito mais.
Da angústia se faz a esperança, do rancor se faz o ódio, do prostrar se faz a chama. E Levanta.

Sabe amigo, esta estrada é só o começo, um passo de cada vez, uma chama acesa por hora, um berro lunaticamente escrupuloso solto na luta e uma cabeça no presente, construindo a mudança. Quantas quedas não virão? Mas quantas escarpadas escalaremos? Não temos motivos pra pessimismo. O futuro inextinguível a nós pertence.

Deita amigo; chora; pensa; prosta. Toma seu tempo. Mas não se esqueça. O presente é o caminho. E levanta.

Que ao levantar, um mundo se levanta com você. Porquê de caídos, nosso povo, classe e raça, nunca tiveram nada.