sexta-feira, 27 de março de 2020

Trump, Bolsonaro e os patrões jogam poker com a morte: nossas vidas são as fichas.



Após o escabroso pronunciamento do grão-miliciano ocupando o Planalto, as mídias internacionais se ocupam de duas notícias, aparentemente contraditórias, mas incontornáveis.

Os EUA superam o número de casos da Europa e China e se consolida como o novo Epicentro da disseminação descontrolada de Corona, com mais de 50 mil casos  e 700 mortes confirmadas.

Ao mesmo tempo, o chefe dos psicopatas ultraneoliberais, Trump, pressiona para que os EUA "voltem ao trabalho" até a páscoa, ou seja, daqui 15 dias, apostando na mesma narrativa asquerosa de Bolsonaro.

Narrativa essa, baseada em mentir, desinformar e chantagear. Algo que, para os acostumados aos ofícios das milícias e do "big business" estadunidense, é especialidade da casa.

Mentem quando dizem que os únicos em risco são os idosos e portadores de doenças crônicas e que apenas eles devem ser "tirados de circulação".
A infecção de jovens pode e leva muitos deles a necessidade de UTI's e respiradores, o que causa a sobrecarga no sistema de saúde e pode levar os médicos a trágica "escolha de Sofia", ou seja, a ter de decidir tratar uma vida jovem e sacrificar a vida idosa, pela falta de equipamentos.
Os jovens, inclusive, podem piorar e muito esse cenário pois, sendo em muitos casos assintomáticos, disseminam a doença sem saber e pioram o cenário do contágio.

Desinformam quando, além destas mentiras, minimizam a capacidade de infecção do vírus e o período de tempo após o qual será possível voltar a normalidade. Para se ter uma idéia, para o Ebola, cujo surto explodiu nos países da África Ocidental em 2014/2015, só foi possível obter uma vacina em 2019, 4 anos depois!
As vacinas atualmente testadas levarão não menos do que 14 meses para serem liberadas e, por enquanto, não existe nenhum tratamento para o Covid19. Tudo depende, então, da capacidade imunológica de cada adoecido e do sistema de saúde de apoiá-la.

Chantageiam, assim, os trabalhadores com uma lógica aparentemente impecável: Se a economia e produção pararem, o número de mortes causado pela (anterior e inevitável) crise econômica será maior do que as mortes pelos vírus ou os salvos pela quarentena.

Logo, qual sua solução mágica?
Os trabalhadores devem fazer (mais) esse sacrifício e se arriscar/infectar para retomar a produção e, assim, aceitar que essa "gripezinha" será algo entre matar apenas uns 7 mil ou apenas aqueles velhos e doentes que já morreriam em breve, de qualquer forma.

Essa foi a tentativa da cidade de Milão, na Itália, que após algumas semanas mantendo tudo aberto em meio a Pandemia, seguindo as orientações de outro psicopata, viu a completa sobrecarga de seu sistema de saúde e mais de 4 mil mortos.

Trump e Bolsonaro, é claro, são figuras públicas a serviço dos verdadeiros donos do negócio, os banqueiros, industriais e grandes magnatas que pressionam por essa abertura e "retorno a normalidade".

Vivemos um tempo em que Bancos, empresas, donos de restaurantes e lojas comerciais, tentam convencer o povo de que eles devem aceitar correr o risco de se infectar voltando ao trabalho, arriscando a vida de seus entes queridos para manter a economia capitalista. Ou isto ou a suposta "fome inevitável".

Esse Malthusianismo revisitado, a serviço de uma política de Darwinismo social (sobrevivência de quem tiver muitos recursos econômicos e sorte biológica ) mostra, num retorno frequente as referências do século 19, o abismo imensurável de interesses e de vida entre a elite econômica burguesa e a maioria do povo explorado por ela.

A burguesia é completamente divorciada, não tem nada em comum, nenhuma empatia e relação que não seja a de superexploração com a massa trabalhadora.

Com um resgate de 1,5 trilhões feito pelo Banco Central para os bancos, dinheiro (público) este que vão usar para emprestar para as famílias e empresas quebradas, lucrando muito com juros das dívidas no meio desta crise, querem convencer que não há recursos!

Com o lucro de 81,5 bilhões arrancados do povo pelos maiores bancos em 2019, sem falar nas bilionárias isenções e renúncias fiscais dadas a empresas e Bancos, querem, ainda assim, dizer que não há recursos para bancar a vida dos trabalhadores em quarentena!

O presidente do Banco do Brasil, chega a dizer, num país em que bancos e empresas devem 500 bilhões em impostos ao INSS e a receita federal, que é um erro atribuir "valor infinito" a vida.

A combinação da crise econômica e sanitária permite aos trabalhadores entender claramente que um sistema econômico que, cotidianamente despreza o papel do trabalhador e valoriza o patrão/empresário como gerador de riqueza, ao ser atingido por uma crise epidêmica se encontra absolutamente despreparado, sem estoques de máscaras, respiradores, álcool, tendo de paralisar todas suas atividades e, chegando ao limite, tem apelar com mentiras imorais àqueles mesmos trabalhadores que se arrisquem para manter os lucros fluindo, não serve, faliu, explodiu.

Disto podemos tirar duas enormes lições históricas:

O trabalho segue sendo a fonte que gera a riqueza. Sem o trabalhador produzindo, bens e serviços, não existe riqueza. E é nisto que reside a maior força social e coletiva da humanidade, a força dos trabalhadores. Com ela eles podem e devem definir como organizar a sociedade, a economia e a política para atender os seus interesses, os da maioria que tudo produz.
Inclusive a de derrubar TODO este sistema econômico (junto de seus mandantes no Estado e nas empresas) e construir um que lhes interesse e acabe com a exploração e a dominação do lucro sobre a vida.
A consciência de classe é a única saída para responder ao principal problema brasileiro e mundial: os antagonismos sociais de classe.

A segunda lição é a de que existe a luta de classes e o abismo existente entre os interesses e a vida da elite econômica burguesa e da maioria do povo trabalhador é tão grande que eles preferem contar corpos de peões a contar cifras mais baixas de lucro.

Número de corpos estes, é claro, maquiados, como todos os governos no Brasil tem feito, subnotificando  infectados e mortos por Covid19 (a cada caso, são 15 não notificados), despreparando a população, num flagrante crime a humanidade.

Se ensaia a abertura da porteira e, frente a frente com a morte, não a deles mas a nossa, frações da burguesia e seus papagaios na figura de Trump e Bolsonaro, se preparam para expor milhões, através da mentira, ao vírus, ampliando a disseminação. Jogam piscinas de gasolina no fogo.

Jogam nossas vidas como fichas, apenas para ganhar alguma sobrevida política (enquanto sonham com a reeleição cada vez mais incerta) ou, quem sabe, uma saída com danos reduzidos. Nossas vidas estão abaixo de suas pretensões de poder.

No Brasil, em live com governadores, Bolsonaro solta os cachorros no, não menos hipócrita, Dória.
Entre as ofensas visando as eleições de 2022 (sua real preocupação), um gesto dá o sinal dos próximos capítulos: Mourão ri e faz negativo com a cabeça, como quem diz "cê tá achando que fica até 2022?".

Não é segredo algum que Bolsonaro não foi o filho pródigo. Com Alckmin naufragando, tiveram de engolir o olavista.

Mas há oportunidade melhor para lavar a cara dessa corrupta e podre democracia dos ricos, do que colocar, no meio da crise, um general (supostamente) "sensato", colocando o exército para "salvar a pátria" e reabilitar a confiança nas instituições? Tudo, claro mantendo os trilhões aos bancos e migalhas aos pobres, como a miséria dos 600 reais, prometidos pra tentar apaziguar o povo.

Esta, sem dúvida, é a saída mais estável que as elites podem desejar. E nesse jogo, Bolsonaro já não é mais do que um morto vivo. Com sorte, pode sair sem ir preso ou com alguma garantia de imunidade aos crimes dos filhos.

Numa democracia real, um governo dos trabalhadores, seria tratado como o que é, junto dos apoiadores patrões: genocidas e eugenistas sociais, criminosos contra a humanidade.

terça-feira, 24 de março de 2020

Notas urgentes e essenciais sobre a situação da epidemia até aqui.



1- Está mais do que confirmada a política estatal de subnotificação. Anunciam 1891 casos, mas médicos, especialistas e coordenadores de saúde na linha de frente apontam que este número é de 11 a 15 casos não notificados para cada infectado confirmado. Desse modo, estaríamos na casa dos 28 mil infectados.

2- Esta política de subnotificação está ligada a falta de testes e a estratégia de combate escolhida pelos governadores e pelo governo federal. Suas diferenças são meras disputas eleitorais; no fundamental todos estão escolhendo a mesma política: Ao invés da supressão, escolheram a mitigação como forma de combate ao vírus.

3 - Supressão foi a medida realizada pelos chineses e coreanos do sul e consiste em travar a cadeia de transmissão do vírus impondo uma quarentena rígida e testando pessoas com sintomas e qualquer um que se aproximou delas. Na Coreia e China essa foi a medida capaz de barrar o surto e reduzir drasticamente novos casos e mortes. "Mitigação" é a medida que estava sendo realizada na Itália e, inicialmente, na Inglaterra, que consiste em não suprimir a cadeia, mas dificultar um pouco a disseminação e gerar imunidade com a infecção da maioria da população. Após estudos de universidades inglesas, ficou comprovado que esta estratégia levaria a 520 mil mortos em 3 meses e a sobrecarga do sistema de saúde, assim como na Itália. Hoje, os ingleses deram "um cavalo de pau" e assumiram a estratégia da supressão, ou seja, acabar com a transmissão fechando cidades, impondo quarentena e realizando testes.

4 - A subnotificação tem tudo a ver com a escolha dos governadores e, antes de tudo, Dória e Bolsonaro que, enquanto fingem se oporem, atuam juntos para manter as cadeiras produtivas em funcionamento.

5 - Trabalhadores precarizados em telemarketing são declarados essenciais; segue o funcionamento de indústrias, com milhares de operários, de TODOS OS RAMOS; construção civil, obras públicas, estradas, transporte de todos tipos de cargas seguem funcionando.

6 - Isso demonstra que, por debaixo do bate boca oportunista de Doria e Bolsonaro, com o governador de SP claramente buscando (como marketeiro que é) se diferenciar de Bolsonaro para criar uma falsa impressão de que luta contra o vírus e assim se localizar melhor na disputa eleitoral, está a realidade: essa FALSA OPOSIÇÃO esconde que ambos cedem as pressões das empresas, dos ruralistas, dos bancos, das igrejas, dos industriais e das bolsas para NÃO parar a produção e garantir os lucros fluindo, mesmo que as custas de vidas de trabalhadores. Aqui, a fração comercial da burguesia é a que decidiram que vai pagar a maior parcela do bolo, já que teve seus negócios fechados.

7 - Tudo fica claro com as medidas tomadas: enquanto países chamados "socialistas", mesmo sem ser, como Venezuela e El Salvador, isentam cobranças de água, luz, gás, aluguéis e se comprometem a pagar salarios de empregados públicos e privados enquanto durar a quarentena, para realmente suprimir a disseminação, no Brasil, as medidas beneficiam apenas as empresas, seus lucros e, principalmente, os bancos: 68 bilhões entregues pelo Banco Central (ou seja, dinheiro público) aos bancos privados para que emprestem e criem mais dívida no povo; isenção de impostos federais, facilitação de compra de matérias primas e, recentemente, a medida provisória que permite (mesmo após revogar o ponto específico) suspender contratos e salários do trabalhador. Aos trabalhadores apenas se prometeu o chamado "vale miséria", de 200 reais, num país cujo salário mínimo deveria ser, para uma vida digna, de 4500 reais.

8 - Coagidos a trabalhar, tendo de escolher entre se endividar/morrer de fome ou contrair o vírus e espalhá-lo, o ultraneoliberalismo brasileiro (e mundial) mostra, através das figuras sádicas dos figurões e de cada pequeno patrão, que este sistema econômico e social capitalista ultrapassou há tempos o limite da racionalidade e não pode servir mais a humanidade e as necessidades do povo; pelo contrário, quanto mais ele dura, mais sacrifícios, fome, miséria e doenças são impostas aqueles que vivem mês a mês de salário, produzem tudo mas sem ter a chance de guardar nenhuma economia que lhe permita sobreviver nestas situações gravíssimas. O lucro impede a vida.

9 - Centenas de leitos sendo construídos não é, necessariamente, um sinal de "boa atitude" neste combate. Fazem justamente porque sua estratégia conta com a sobrecarga do sistema de saúde, com a não testagem dos suspeitos, em suma, contam com a morte de dezenas ou centenas de milhares (se não for pior).

10 - Os trabalhadores PRECISAM abrir os olhos e entender que não é um problema de falta de recursos.
Apenas o Itaú lucrou 28 bilhões de reais em 2019. As empresas e bancos devem mais de 500 bilhões de reais de impostos ao INSS (vulgo roubo do que deveriam contribuir a previdência ). Se fosse instaurado um imposto sob lucros, dividendos e grandes fortunas seria possível obter mais de 275 bilhões de reais. Para se ter ideia, para o "vale miséria" Guedes propôs apenas 15 bilhões.

11- Quantos hospitais poderiam ser feitos? Quantos milhões de trabalhadores formais e informais, desempregados e empregados, poderiam receber salários para ficar em quarentena? Quantas máscaras, testes, álcool, poderiam ser distribuídos? Quanto se paga em sangue para se manter a lógica do lucro acima de tudo? E quem paga?

12 - Precisamos agir rápido. Estamos as portas de uma catástrofe que pode vitimar mais de um milhão de pessoas, por Covid19 ou outras doenças por falta de Uti's. Os trabalhadores precisam realizar a pressão e luta por todas as vias possíveis e seguras, digitais e reais, para que a gestão dessa crise não seja paga com seu sangue. Para que haja ISENÇÃO de cobranças por pelo menos 4 meses, pagamento de salários, quarentena real e rígida e distribuição de proteção a todos.  Só assim o vírus será parado.

13- Essa responsabilidade é de todos nós, mas aquelas categorias com mais força tem um papel histórico central para impor nossa decisão. Ferroviários e Metrôviários, operários da indústria, motoristas de ônibus, caminhoneiros, precisam decretar greve e funcionamento apenas para necessidades essenciais de combate ao vírus. Transporte de utensílios médico-hospitalares, de profissionais no combate ao vírus e produção destes utensílios. Qualquer outro serviço deve ser totalmente interrompido. Se o Estado não permitir ou fizer, que os próprios trabalhadores se organizem e façam. Esse movimento é o único capaz de acabar com o assédio e coação para que trabalhadores NÃO ESSENCIAIS sigam circulando e contraindo o vírus.

A hora é agora. Nossa vida já mudou. Resta apontar, nas idéias e nos atos, para o mundo que queremos que surja dessa catástrofe. E ele precisa ser coletivo, socializado e planejado. O oposto desse capitalismo podre e em decomposição.

terça-feira, 17 de março de 2020

Corona Vírus: A globalização capitalista é inviável biologicamente


“Há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.”
Esta frase não poderia se encaixar melhor para definir os acontecimentos dos últimos dias.

Hoje, dia 17/03, se confirma o primeiro falecimento em decorrência da doença – Covid19 - causada por corona vírus no Brasil. Até o momento são 200 casos, uma morte e milhares de suspeitos em avaliação.
 
Pelo mundo, o epicentro do contágio migra da China, cujas medidas de contenção e quarentena agressiva ajudaram diminuir a disseminação, para a Europa, com Itália e Espanha sofrendo as piores consequências.
Na Itália, cuja população idosa é proporcionalmente maior que a chinesa, a taxa de mortalidade da doença chegou a 7,7%, bem acima de 2,3%, a taxa na China.

A média de idade dos infectados é de 63 anos, geralmente com doenças pré-existentes, sofrendo principalmente com os sintomas de insuficiência respiratória. Por lá, somam-se mais de 23 mil infectados e 2150 mortos, em contraste com os mais de 90 mil infectados na China, com cerca de 3200 mortos.

A grande questão, que tem obrigado os governos de todo mundo a fechar fronteiras e tentar impedir aglomerações e reunião de pessoas, ora com medidas brandas, ora com ações rígidas de restrição, é que o Corona Vírus possui uma taxa de infecção muito grande, tornando seu alastramento difícil de conter.

Outra dificuldade está no fato de que muitos dos infectados são assintomáticos, principalmente aqueles fora do chamado “grupo de risco”, como jovens e crianças que, embora não desenvolvam a doença, podem espalhar de maneira acelerada o vírus àquela porção da população mais vulnerável.

Esta epidemia, em meio a já enfraquecida economia capitalista, operando em “banho maria” com baixas taxas de crescimento desde a crise de 2008, se soma a guerra comercial ao redor do petróleo e as incertezas decorrentes da dificuldade de crescimento mundial.

Uma verdadeira tempestade perfeita se ergue sob as nações do planeta, com previsões de quarentena, forçada ou não, pelos próximos 3 ou 4 meses, quando se espera que o vírus seja controlado e se avance em tratamento, medidas de isolamento e vacinas.

De fato, na atual etapa inicial do enfrentamento do vírus, a experiência da China e Itália demonstra que o principal impacto do vírus é não tanto sua mortalidade, mas a pressão que exerce sob os sistemas de saúde, desigualmente desenvolvidos, em todo o mundo.

Quanto menos restrições e medidas de controle de circulação, mais rápida a disseminação do vírus e, assim, o contágio das populações de risco. Isto leva a sobrecarga dos leitos de hospitais, UTI’s e sistemas de saúde em geral.

O resultado da demora observamos nos corpos empilhados nas igrejas italianas e a heroica – e arriscada - luta das enfermeiras, médicos e profissionais da saúde para tentar garantir tratamento e cuidados para pilha de doentes que tomam os hospitais.

Disto surge o chamado cientifico a “tornar a curva plana”, em alusão a necessidade de tomar medidas agressivas de restrição de mobilidade como forma de controlar o ritmo do contágio e permitir que os sistema não seja sobrecarregado por um pico descontrolado de infectados, cenário este que, no caso do Brasil, se verificará nas próximas semanas caso não se aja rápido.

A sobrecarga é, no entanto, praticamente inevitável quando falamos da atual estrutura econômica e social capitalista em praticamente todas as nações do mundo.

Sob este sistema, o desenvolvimento é necessariamente desigual, pois responde a divisão mundial do trabalho (ou seja, a relação de produção de bens entre aquelas nações desenvolvidas e ricas, com economias baseadas nos serviços e as nações subdesenvolvidas, periféricas, coloniais e semicoloniais, responsáveis pela produção de bens agrários e extrativistas, pobres e/ou dependentes destas nações capitalistas avançadas).

Isto significa que uma crise deste porte necessariamente atingiria países como a Itália ou Inglaterra, que contam com dezenas de milhares de médicos e milhares de hospitais, de forma muito diferente de como atingiria Serra Leoa, epicentro de outra crise epidemiológica com o Ebola, que conta com 245 médicos e 80 hospitais. Até agora, apenas por sorte não se observou eclosões catastróficas nas nações mais pobres.

Essa discrepância absurda não tem nada de natural e corresponde às relações de subordinação e exploração existentes entre as nações capitalistas avançadas, ou melhor, os grandes bancos e conglomerados industriais destas e as nações periféricas e dominadas, principalmente no Sul Global.

Sendo assim, no “sistema de Estados” mundial, a epidemia tem um endereço muito mais vulnerável e a catástrofe um terreno muito mais fértil nas nações pobres, periféricas e semicoloniais.

Na contramão dos fatos e expectativas, o fantoche de milícias e militares que ocupa o palácio do planalto, passou de minimizar o impacto da crise como “uma fantasia” a, num episódio estranho, característico de tudo que lhe envolve, participar de uma delegação com 11 infectados que foi aos EUA e, ao que parece, lhe transmitiu o Vírus, embora este diga que os testes deram negativo.

É coerente com mais esta fanfarronada que ele se encontrou com apoiadores alucinados neste final de semana.
Apoiadores do terraplanismo e da teoria de que o Corona seria uma farsa, juntaram algumas centenas para pedir o AI5 e fechamento do congresso e do STF – além de transmitir o vírus-, incentivados pelos militares e pelo miliciano, ambos interessados nos frutos políticos que podem conseguir com o pânico.

Como quem tenta jogar panos quentes, Paulo Guedes, a verdadeira face dos bancos e magnatas capitalistas, gringos e nacionais, anunciou um “pacote de aquecimento” da economia com supostas “medidas de proteção ao emprego”.

Neste, basicamente, distribui facilidades fiscais as empresas (possibilidade de adiar o pagamento de tributos federais e o FGTS por meses;), créditos para médio e microempresas, facilitação de compra de matérias primas e insumos pelas indústrias e compra de linhas de crédito de bancos médios.

Para o SUS, prometem destinar 4,5 bilhões do Fundo de amparo ao trabalhador e liberar crédito, ou seja, empréstimo, de 5 bilhões para tanto o ministério da saúde quanto o da educação.

Nada de ampliação do número de leitos nos hospitais, de controle público sob os leitos privados, de somas emergenciais substanciais para tratar dos infectados e evitar o contágio. Para uma crise deste porte oferecem a cada ministério 2,5 bilhões em crédito, enquanto só em auxílio moradia a membros do Estado gastaram 3,5 bilhões em 2018!
 
Ou seja, ao invés de medidas de “proteção aos empregos” anunciam um enorme pacote de “proteção aos lucros dos empresários e bancos”, como se, com estas facilidades, num país com já 14 milhões de desempregados e 42 milhões de informais por conta própria, se beneficiasse as maiorias trabalhadoras.

Aos entregadores Uberizados, terceirizados sofrendo com as demissões e rotatividade, trabalhadores de telemarketing e callcenter, camelôs, ambulantes, desempregados, trabalhadores dos serviços, nenhuma medida eficaz.

Para se evitar, de verdade, o contágio e, assim, a sobrecarga no sistema de saúde, um conjunto de medidas emergenciais deveriam ser feitas em benefício da maioria da população trabalhadora:

Não apenas a ampliação do financiamento em saúde, saneamento, mas a suspensão de pagamento de alugueis, contas de luz e água;
-o cancelamento IMEDIATO do teto de gastos, que impedem ampliações no orçamento da saúde e educação, aprovado em 2017;
- a organização de um plano veloz de estabelecimento e restabelecimento de distribuição de energia e água em zonas que sofrem com sua falta (há favelas no RJ com falta de água há 15 dias);
- a proibição de demissões e do confisco ou redução de salário dos trabalhadores; a nacionalização de empresas que demitirem; o confisco dos lucros bilionários dos Bancos (só o Itaú somou 28,4 bilhões de reais de lucro em 2019) e aplicação dos recursos em benefício dos trabalhadores;
- nos trabalhos essenciais, suspensão imediata de qualquer sanção por falta e atrasos aos trabalhadores e distribuição de equipamento de proteção a todos;
- distribuição de um salário mensal que respeite a média dos salários anteriores, a todos trabalhadores, para que fiquem em quarentena até o fim do surto;
- distribuição gratuita de equipamentos de prevenção a quem necessita, como álcool, máscaras aos infectados, etc;
- que todos os salários sejam indexados a inflação, ou seja, uma vez que esta suba, pela pressão enorme do dólar alto e da crise econômica, os salários sobem na mesma medida, protegendo o poder de compra do trabalhador.

Na Espanha, por exemplo, a situação atingiu tamanha dificuldade que, como única medida para enfrentar a sobrecarga, o Governo decidiu estatizar todos os leitos privados e, assim, hospitais, colocando sob controle público. Na Itália, a Alitalia, a maior companhia aérea, seguindo as dificuldades e ameaça de falência de diversas companhias do setor, como a da gigante American Airlines, pode ser estatizada.

O fato é que, tal desigualdade do desenvolvimento esbarra de frente com a atual ideia, bonita, porém inviável no capitalismo, de um sistema mundial de saúde.

Como é possível que se possa evitar um contágio e o desmoronamento dos sistemas de saúde se a prioridade, mesmo em tempos de crise, segue sendo o lucro?
É racional falar em quarentena e isolamento quando metade dos trabalhadores brasileiros são informais - mês a mês incertos de quanto podem conseguir - ou quando os patrões obrigam os trabalhadores a se espremer nos metrôs e ônibus, arriscando a sua saúde e de familiares, por lucro?

Por outro lado, como é possível falar em um sistema mundial de saúde num planeta em que saúde é tratada como negócio e, como tal, leitos, camas e atendimentos são restritos a população que não pode pagar?

Numa epidemia como esta, os trabalhadores precisam se perguntar quem ganha e quem perde; quem se expõe e quem se resguarda. A quem serve este sistema e esta “democracia”. Seria um governo do povo, mesmo?

Se, numa crise, a única solução séria vem de medidas não de capitalismo, mas socialistas ou “socializantes”, como as nacionalizações de empresas e hospitais, o congelamento dos preços, com salários subindo com o aumento da inflação, porque fora da crise, quando deveríamos nos preparar para ela, serve a prioridade ao lucro de uma minoria?

Esta é a maior oportunidade de percebermos a irracionalidade da produção e administração da sociedade capitalista, onde, o que impera, não é a ordem, mas a anarquia, com cada capitalista decidindo quais serviços e bens produzir, quando produzir e para quem oferecer, sem nenhum plano coletivo que, racionalmente, atenda as necessidades imediatas e futuras da humanidade.

O Corona vírus não será a última epidemia que viveremos. O aquecimento global acelera o surgimento destas, na medida em que um mundo mais quente é mais hospitaleiro para vírus e bactérias.

O capitalismo demonstrou que, além, de ser incapaz de lidar com suas crises econômicas cíclicas, a cada dez anos, não possui ferramentas para lidar com epidemias deste porte.

E se nos depararmos com uma que não apenas possua uma alta taxa de infecção e também de mortalidade entre todas as faixas etárias? E se, como hoje, isto se der numa combinação de crise econômica e biológica?

A única saída que este sistema econômico nos oferece seria a extinção da maioria, obrigada como gado ao abatedouro da exposição diária ao vírus em nome do lucro, e a fuga da minoria para suas casas na praia, de campo ou bunkers, armados até os dentes.

Inviável biologicamente, por não ser capaz de responder, racional e planejadamente, aos riscos que ele cria, o capitalismo precisa ser questionado em sua essência.

Isto deve nos levar a ver que uma economia socializada, controlada pela maioria dos trabalhadores, com uma produção e serviços organizados em base a um plano coletivo e social, livres das amarras do lucro e da acumulação de riqueza privada, são a única saída para esta e outras epidemias. Só assim, colocando os interesses sociais acima dos interesses do lucro, um sistema de saúde racionalmente planejado e homogêneo poderia ser organizado e compartilhado mundialmente.

Nossa espécie está diante de um desafio biológico, social e econômico na história. E as forças do atraso e da extinção são as que minimizam os riscos, enquanto se escondem em seus bunkers, com seu estoque de armas, papel higiênico e álcool gel. E estas estão, infelizmente, no poder.

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Fontes consultadas:

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/03/16/perfil-de-mortos-por-coronavirus-na-italia-e-o-mesmo-da-china-mas-mortalidade-e-tres-vezes-maior.htm
https://www.pbs.org/wgbh/nova/article/ebola-doctors/#:~:text=In%20total%2C%20about%20245%20doctors%20practice%20within%20Sierra%20Leone.
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/03/16/coronavirus-medidas-economicas-guedes-13-salario-bolsa-familia-abono.htm?utm_source=facebook&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=geral&fbclid=IwAR3jINwRVlmZFLZJdmkcGPmAODCY4zxaXZFWb_6-DtEsevoO683K3leJtKI
https://oglobo.globo.com/economia/devido-ao-coronavirus-italia-cogita-estatizar-alitalia-franca-estuda-socorrer-empresas-1-24309476


sábado, 7 de março de 2020

Eu não gostava de ler.


Eu não gostava de ler.
Talvez pelo temperamento explosivo e um senso prático por demais aguçado, a ideia de sentar e por horas destrinchar, entender e memorizar tantos conceitos através dos labirínticos meandros de um texto, era muito angustiante.

Não me entenda mal.
Eu lia, desde pequeno, todo tipo de quadrinhos.
Comecei com Batman, colecionado desde os seis anos ou menos. Também amo mangás dos mais variados estilos, geralmente aqueles mais de combate e com narrativas de superação dos personagens. Mais tarde fui conhecer obras fantásticas como a história de Musashi, compilada em Vagabond, além de outros dramas ficcionais como Battle Royale, Gantz, Bersek, entre outros.

Quando moleque, quando tinha algum dinheiro, comprava uma edição da liga da justiça, das edições mensais de Batman ou algum mangá e ficava folheando, memorizando os diálogos, os traços do desenho, vendo o tempo passar, às vezes até adormecendo com a revista no peito.
Meu pai sempre me chamava atenção para o pé na parede e, quando adormecia, me colocava cobertor enquanto ele assistia alguma coisa na TV na casa onde nossa família residiu, sem possuir, por décadas.
Hoje, passando por ela, só restam lembranças.
Uma placa de "Aluga-se" soterra a expectativa que poderia, irracional, existir de voltar a pisar nela ou ver meu pai sair sorridente falando alguma coisa engraçada, para abrir o portão - isso quando eu não o pulava.

Foi ao longo da faculdade que percebi o quão difícil pode ser ler.
Pegava os ônibus chamados "interestelares", partindo do Jaçanã até o Butantã e, entre apagões fisiológicos ao longo das duas horas e meia de viagem, tentava arrancar o máximo que podia de Maquiavel, Schumpeter, Levi Strauss, Weber.
Isso tudo foi antes de se inaugurar a Linha amarela - evento no qual estive presente para repudiar os velhacos PSDBistas que, entre desvios e cartéis, passagens caras e transporte precário, inauguravam uma estação para servir a USP, quilômetros distantes da mesma.

Nunca tirei as melhores notas e, durante grande parte dessa jornada me pegava em contato com as mais diversas linhas do pensamento que, pela dinâmica da vida, não penetravam ou despertavam minha curiosidade da forma mais eficaz.
Era como se houvesse uma névoa que bagunçasse nossa relação e a leitura era sempre uma questão de esforço e páginas, de iniciar a caminhada esperando concretizar o maldito número visto na página final do livro ou texto.
As provas eram a coroação do martírio.
Trabalhando, dificilmente tinha ânimo para seguir uma rotina diária e constante de leitura, logo, a solução eram as maratonas dois, três dias antes, quando não no mesmo dia.
Café, tremedeiras, consultas heterodoxas, tudo isso se tornou meu modus operandi para sobreviver na selva do mundo acadêmico e sua exigência burocrática de centenas de páginas por mês.
Aos professores, draconianos em sua maioria, não importava trabalho, greve, distância ou estado psicológico.
“Essa faculdade não é para quem trabalha mesmo”, repetia uma delgada professora de semblante e nome nórdicos, certamente orgulhosa de sua posição alcançada, com baixo esforço, mas muito “mérito”, na estrutura estatal de ensino.

Me organizar politicamente, algo que pulsa dentro de mim por diversas razões, foi uma salvaguarda e uma boia nesse mar tortuoso.
Lia muito, sobretudo textos políticos, e-mails e obras clássicas do marxismo, pois, além de me interessar e ser necessário para uma ação política consciente, sentia um enorme prazer de conhecer as histórias de outros, como eu, que buscavam compreender seu mundo, as inter-relações entre seus membros e as ferramentas para transformá-lo - já que esta necessidade está mais evidente a cada dia em que o capitalismo destrói nossas mentes, sociedade, natureza e futuro. Isto reascendeu uma ponta de esperança de que, talvez, eu não odiasse ler e o problema fosse a forma como este hábito me fora apresentado e exigido.


Literatura e teoria, sobretudo a política, são gêneros que, ainda que possam ser, geralmente não são lidos da mesma forma, no mesmo ritmo e com a mesma atenção aos detalhes. Uma obra teórica, como aquelas exigidas tanto pela ação política quanto pela universidade, demanda outra dinâmica para se ler do que uma revista em quadrinhos ou um romance.

Penetrei fundo nesse mundo e, tal como antes, quando com algum dinheiro comprava revistas - ou, diga-se a verdade, jogos de playstation -, passei a direcionar o dinheiro para livros, em geral, teóricos e políticos.

Um fenômeno esquisito começou a se apresentar.
A linguagem, é claro, passava a se mesclar e, então, toda a gama de gírias e expressões que sei e sempre mobilizei para me expressar, começavam a se fundir com palavras e lógicas mais complexas.
Um personagem genial certa vez disse que se você entendeu realmente algo, você deve ser capaz de explicá-lo de forma simples e direta. Não é algo fácil e logo percebi.

Para os parceiros de quebrada, antigos e novos, muitas vezes eu era como uma esfinge.
Um cara que falava uma linguagem próxima, mas que às vezes entrava numas complexas que ou comiam a mente e deixavam em crise, por vezes, esclarecendo muitas das questões que afligem nosso cotidiano ou simplesmente não faziam sentido.

Já na Faculdade, se dava o oposto.
Tantas vezes o preconceito de classe se expressava sem nenhum pudor, como quando me perguntavam se eu "também era skatista", ou nas perguntas inocentes sobre "porque você não consegue ler mais?", sem falar da indignada surpresa de classe média uspiana com a "agressividade e aspereza" com que eu me portava nas lutas, atos ou papos. Um acinte para o decoro exigido pela recatada juventude pequeno-burguesa da USP e seus hábitos autocentrados.
Sentia-me assim, sempre no meio do caminho, em duas canoas, em dois espaços, tentando ligar pontas que, claro, em tantos sentidos, são irreconciliáveis.

Somente depois de terminar a graduação e ser demitido pude perceber o prazer da leitura. Reviver a literatura, o mangá, a teoria, no meu ritmo, respondendo as questões que eu faço diante da realidade e trilhando um caminho de desbravamento do conhecimento com meus pés livres, no meu ritmo. Este ano em 2 meses li 4 livros. Minha companheira, a qual, certamente, compartilha muito destas dificuldades e inquietações comigo, também termina o seu quarto.

Ler é, afinal, uma ferramenta. A mais poderosa, pois, através deste ato, que, não se enganem, sempre exigirá esforço e dedicação desde que haja condições para tanto, é que somos capazes de acessar a montanha infindável do conhecimento e das histórias humanas.

Somos uma espécie que só está onde está por sua capacidade de contar histórias e, através delas, promover coesão social, laços de solidariedade, valores comuns, perspectivas compartilhadas que nos movem a um futuro e nos dão objetivos, esperanças, vontades.

Não é por menos que aqueles, interessados na dominação e no privilégio de classe dominante, atacam a cultura, a leitura, o saber, Paulo freire e buscam distorcer e corroer, seja a capacidade de leitura, seja o próprio conteúdo desta.

Hoje eu amo ler.
Porque consegui, entre trancos e barrancos, encontrar uma forma de ligar o prazer com o conhecimento e dar sentido a este hábito. Sentido este que é o de tornar mais consciente minha compreensão de mundo para transformá-lo.
Isso me fará uma pessoa melhor, um companheiro melhor, um amigo melhor, um revolucionário melhor, um rapper melhor e um humano mais pleno e ciente de toda a tortuosa luta, os exemplos e lições que o passado deixa. 

A leitura é uma chave que te permite, em primeiro lugar, saber quais portas abrir e quais outras trancar.
Hoje, diante desse prêmio conquistado, dia após dia, pouco me importa que uns me achem um MC “professor” ou outros me achem um “cientista social” pé rapado ou maloqueiro.
Ler me ensinou que  estamos imersos e constantemente pressionados pelas margens de nossa própria ignorância, imaturidade e irreflexão.

Digamos que sou ambos. E mais! Sou um pouquinho de tudo o que absorvo e, se quero ser algo, é ser mais, com todos. Inclusive com estes que, infelizes, ainda não perceberam que podem ser mais, juntos.