segunda-feira, 25 de junho de 2018

Demitidos de 2014 no metrô são readmitidos: Ninguém fica pra trás?

Neste dia 20 de junho, após 4 anos de sua demissão política, 37 metroviários demitidos durante a greve de 2014 em SP foram, enfim, reintegrados. O caso, após 4 anos de lentidão entre a primeira e segunda instâncias da Justiça, tão rápida para julgar casos de reintegração de posse contra trabalhadores em busca de moradia ou jovens negros, mesmo quando condenados por portar pinho sol, como Rafael Braga, se fechou com a comprovação de que as acusações eram infundadas e, assim, as demissões ilegais.

Todos se lembram de Alckmin em rede nacional anunciando dezenas de demissões no Metrô como resposta a greve da categoria que ocorria às portas da Copa do Mundo no Brasil.
Que Alckmin tenha usado de terrorismo político para acabar com uma greve legítima, garantida constitucionalmente e com apoio popular, denotando o caráter persecutório e, portanto, ilegal das demissões, pouco pareceu importar a esta justiça. Igualmente pouco parece importar que tenhamos o “legado” de uma das Copas mais corruptas da História, com denúncias de propina, compra de resultados e obras que após 4 anos ainda não foram completadas.
A justiça, como sempre, está do lado dos patrões. Ainda assim, é uma importante vitória parcial que 37 metroviários da linha de frente desta greve possam voltar a obter seu sustento ilegalmente arrancado e somar suas forças a luta, hoje em dia mais aguda ainda, contra a privatização e entrega do Metrô para grandes empresas ligadas ao PSDB.
O Papel do Metrô e a estratégia das organizações contra as demissões
O metrô de SP é uma empresa estratégica. Alckmin sabia, assim como todos os governos sabem, que seu potencial de “contagiar” mobilizações populares é enorme. A histórica greve geral ocorrida no dia 28 de Abril de 2017 demonstrou que o papel dos metroviários foi fundamental parando as vias de transporte e possibilitando outros milhões a aderirem ou a pressionarem seus sindicatos. Este papel só não foi maior graças as traições da burocracia sindical de PT e PCdoB, que impediram todas as demais tentativas de eclodir uma greve geral, no metrô e fora dele.
Seu papel econômico segue, no entanto, crucial, sendo capaz de dificultar decisivamente a própria “circulação” e produção capitalistas numa cidade central como São Paulo.
Contraditoriamente, vemos as ações das atuais organizações atuantes no movimento sindical do Metrô. Se de início ainda existiam setores de militantes independentes e também algumas organizações, como o atual MRT, que apontavam como saída para a reversão das demissões a continuidade da luta (seja durante a greve defendendo sua continuidade, apostando que Alckmin recuaria e reverteria as demissões, seja após, mostrando os limites de uma ação apenas jurídica), depois destes 4 anos, a ação de todos os grupos da categoria passou a de considerar esta luta como “perdida” e o que “dava” era seguir na estratégia jurídica.
PSTU e PSOL, a frente do sindicato naquele momento, desde o início embarcaram nesta linha de braços dados, apostando apenas na justiça, pois “não dava pra lutar”; as demais correntes, pouco a pouco, foram se adaptando a este marasmo e os independentes, com cada vezes menos espaço na estrutura sindical fechada, com assembléias sem praticamente nenhum espaço para suas propostas, viram o processo andar vagarosamente.
É verdade que decisões à época foram corretas. A decisão de aprovar em assembléia uma ajuda financeira para os 37, como forma de garantia de seu sustento enquanto se lutava pelo retorno, é uma delas.
O resultado desta, no entanto, se tornou contraditório na medida em que a luta, durante e depois da greve se apoiava, exclusivamente, numa ação jurídica, distanciada da base, do chão das estações e pátios.
Vez ou outra atos pequenos, mal organizados pelo sindicato, distantes da realidade cotidiana das bases (uma das reclamações mais comuns entre os metroviários) eram chamados, mas serviam muito mais como lembrete e “desencargo de consciência” do que como ferramentas reais de pressão sob o metrô.
Esta é a realidade que explica que, mesmo após perder em 2 instâncias na Justiça a diretoria do Metrô e o Governo só tenham aceitado acatar a decisão judicial quando perceberam que desrespeitá-la iria incorrer em mais custos.
Se apressaram, então, a propor um acordo que reintegrasse os demitidos, mas que, dentre outros problemas, tivesse como condição que estes, ao assinar, não poderiam processar a empresa por danos morais. Sem entrar no mérito de se o acordo era o melhor a se aceitar ou não, foram definitivamente reintegrados.
Entretanto esta adaptação total de todas as correntes ditas de esquerda e revolucionárias a uma ação exclusivamente na Justiça, que, como vemos todos os dias, é o terreno do inimigo e não julga casos de trabalhadores de forma justa, deixou importantes contradições.

Com o tempo passando, setores como PCdoB e PT, aproveitando-se do distanciamento desse tema da base e a inexistência de mobilização pela readmissão, passaram a tentar reverter o caso politicamente a seu favor.
Num famigerado áudio que circulou por whatsapp e na internet, um dirigente do PCdoB, chefe no metrô e diretor do sindicato – Godoy- dizia aos berros para seus colegas que “ia acabar a mamata” e que eles iriam para as bases pra cortar a ajuda destes demitidos, os quais “até podiam voltar, mas o metrô iria demitir de novo e eles iam ver a dor da perda outra vez”. Praticamente um plano para cortar o sustento e entregar a cabeça dos 37 numa bandeja para o metrô.
O argumento era simples, mentiroso e reacionário: a ajuda de custo era dada para militantes que usavam para seus partidos e eles iam “acabar com a mamata” impondo na diretoria o corte dos salários.
Felizmente, a reintegração veio antes. E a verdade era, também, bem evidente. Se apoiando na falta de clareza da base sob a condição dos demitidos e na desmobilização total da categoria, o PCdoB e PT tentavam aparecer como os “ honestos e melhores candidatos” a assumir a diretoria (tanto é que hoje são quase majoritários) e, de quebra, retaliavam os demais membros pertencentes aos outros partidos por não terem aceitado pagar o salário para um militante seu –Maruzan, demitido por uma ocorrência – SEM ter votado isto em nenhuma assembléia. Uma ação de canalhas milimetricamente pensada. Tanto os salários foram fundamentais para garantir os sustentos de 37 famílias, quanto não eram apenas militantes demitidos.
Privatização e 80 (ou mais) novas demissões; mesmos erros
Apesar de perder espaço para a burocracia sindical que diretamente traí dentro e fora do metrô e de amargar 4 anos de um embate com a justiça e o metrô pelo retorno de trabalhadores perseguidos, a esquerda parece não ter apreendido. Ou melhor: Não quer aprender.
Para chegar a esta conclusão não basta lembrar que nenhum partido hoje organizado no metrô denunciou o PCdoB ou exigiu que Godoy fosse expulso do sindicato pelo áudio a que nos referimos acima. Ou que o abandono de qualquer estratégia política e de ação (mobilização, continuidade ou eclosão da greve, construção na base desta perspectiva) lá atrás e em todos estes anos foi um dos responsáveis pela confusão da categoria em relação as demissões, pela incerteza de todos estes anos e pela absurda demora da reintegração.
Tampouco, basta lembrar que este “todo” é um dos responsáveis pelo retorno do PCdoB e seus métodos de gangsters pró-patrão ao sindicato. De 2017 para cá, o Governo tem buscado acelerar seu projeto de privatização. A linha 5 do capão redondo já está praticamente nas mãos de empresas privadas, diversas linhas da CPTM foram anunciadas como concessões e novas linhas do metrô também. Dentro da empresa pública, o patrimônio também é corroído: Máquinas de bilhetes, privatização de bilheterias na linha 2 Verde e ameaça de fazer o mesmo nas linhas 1 e 3 vermelha.
Esta ofensiva, naturalmente, não poderia vir sem ataques contra o que os patrões acham que são obstáculos: os empregados públicos. Sejam eles “excesso” de recurso humano, sejam eles ativistas, cipistas, militantes, todos estes são alvos da empresa.
Assim, neste cenário, a partir de 2017 o metrô começou uma nova onda de demissões que, até hoje, seguem ocorrendo nas estações, segurança e manutenção.
Utilizando uma avaliação de desempenho fraudulenta, realizada pelas costas dos trabalhadores, sem nenhuma transparência, por chefes indicados politicamente pela diretoria da empresa do metrô (cargos de confiança e não de carreira) a empresa já demitiu cerca de 80 metroviários.
Não se espante se você não ouviu falar sobre isto. Nenhuma organização ou o sindicato falam disto. No congresso de metroviários ocorrido em fevereiro, nas atuais campanhas salariais e depois dela nada se falou sobre estas demissões. Apesar de uma quantidade enorme, a estratégia de todas estas correntes segue sendo a mesma (e piorada): dizem que a “conjuntura está difícil” e enviam os que quiserem tentar voltar para o jurídico, enquanto sequer denunciam as demissões publicamente.

Não se trata aqui de desqualificar a iniciativa de ações judiciais. Todas as armas, na luta de classes são boas. Entretanto não apenas é gritante o completo abandono de 80 metroviários demitidos de forma fraudulenta, em uma empresa que nunca realizou demissões por avaliações, como é ensurdecedor o silêncio de todas as organizações ( PSTU, MRT, RESISTÊNCIA/PSOL, MÊS/PSOL, CST, UNIDOS PRA LUTAR, PT, PCdoB, etc).
Para os militantes trabalhadores classistas e os revolucionários, as ações jurídicas podem e devem ser utilizadas, mas sempre de forma acessória ao combate, auxiliando a ação na luta de classes com mobilizações, conscientização na base, greves, paralisações, atos, ações que efetivamente pressionam e demonstram a insatisfação coletiva da classe.
A esquerda atual, no entanto, apaga um princípio, a defesa dos que lutam, talvez por ceticismo, talvez por não querer se indispor com setores da base, talvez para manter seus cargos sindicais…
As lições, entretanto, ficam. Segue sendo crucial por de pé uma luta para que, realmente, “ninguém fique pra trás” e que o metrô seja pressionado a reverter todas as demissões ilegais e fraudulentas realizadas de 2017 para cá, baseadas numa avaliação falsa e com objetivos políticos.
Um chamado às organizações para que tomem esta tarefa está feito, apesar de improvável que se cumpra.
Enquanto isto os panfletos entregues para a população e os adesivos entregues para a categoria seguem dizendo: “Contra a privatização, por mais direitos”. Alguns demitidos, pensamos: “Quem vai lutar com vocês, quando souber que vocês não vão lutar por eles?”
O que fazer para que de fato ninguém fique pra tras?
Militantes sinceros de algumas correntes criticadas nesse artigo poderiam buscar nos responder: “a crítica dos companheiros pode até ser sincera, legítima, mas é irrealista, pois não considera o fato de que hoje não existe mobilização na base, que não é possível construir lutas efetivas contra as novas (mais de 80) demissões, e que então o único caminho é efetivamente o jurídico, etc,”; esse argumento, caso existisse, seria ingênuo, na boca dos mais sinceros e hipócrita, na dos mais conscientes. Seu erro está baseado em dois pressupostos equivocados: 1- de que a atual descrença da base da categoria na mobilização é um fato dado, exterior a atuação anterior das correntes, quando na verdade essa descrença relativa foi construída pela atuação política destes grupos que ali atuam, as direções tendo grande responsabilidade nessa passividade relativa (mesmo as que se reivindicam mais à esquerda e críticas a atual direção do sindicato); 2-que dada a atual descrença e passividade da base com as ações mais radicalizadas, o papel das direções que se reivindicam revolucionárias é se adaptar a esse sentimento da base e não se chocar com ele.
Os debates particulares numa categoria tão fundamental para uma estratégia revolucionária no Brasil, como é a categoria de metroviários de SP, transcendem as questões imediatas da categoria para ganharem aspectos mais gerais, sobre como devem atuar os revolucionários no movimento sindical. Frente a uma situação assim, de passividade da base frente a grandes ataques (admitindo momentaneamente que essa passividade é algo objetivo e exterior a atuação dos grupos que se reivindicam revolucionários que estão na categoria, para sermos condescendentes com eles por um momento) qual deveria ser o papel de uma direção classista e combativa que estivesse nessa categoria, se adaptar ou nadar contra a corrente?
Colocar a questão é já respondê-la, na verdade. É evidente que podem haver momentos em que as bases, desmoralizadas e derrotadas por direções burocráticas, não respondam e se comportem de forma passiva em relação a grandes ataques, como os que vemos agora com as mais de 80 demissões no metro no último ano.
Contudo, uma direção que se coloque como revolucionária não deve, evidentemente, se adaptar a esse sentimento na categoria. Se não encontra eco para sua política entre os trabalhadores, nada contra a corrente, permanece em minoria, buscando educar o setor mais ativo e consciente, visando fortalecê-lo e lhe dando coesão, para os conflitos futuros. Qualquer outra posição aparece como uma adaptação em busca de cargos sindicais e não a busca para construir um setor revolucionário entre os metroviários.
A importante vitória tática da readmissão por via judicial dos 37 demitidos na greve de 2014, assim, pode se tornar uma vitória de “Pirro”. A vitória tática aqui é fator importante dentro de uma estratégia de expansão da luta contra a privatização do metrô se ela é elemento para fortalecer a luta contra todos os ataques e demissões, mostrando que efetivamente “ninguém fica pra trás”./
No entanto, se a readmissão é forma de esconder os ataques e as novas demissões, ela é tática da direção do metrô para esconder os novos ataques (mais profundos) permitindo vitórias parciais da categoria. Infelizmente, parece que todas as correntes, grupos e partidos dentro do metrô se adaptam a segunda alternativa.