terça-feira, 27 de outubro de 2015

ENEM: Fruto da pressão ou enganação planejada? Ou: o jeito mais fácil para nos isolar das massas...

A linha entre viver numa seita, ser "sectário" ou se adaptar e achar que tudo são "vitórias" e ser, como dizemos, oportunista, é tênue, fina, difícil de se desenhar. O ENEM, como prova, segue sendo, em minha opinião, mais uma ferramenta.

Não uma ferramenta dos oprimidos, mas dos empresários, do seu Governo e dos capitalistas para restringir por um lado a Universidade, criando pólos de "elite" e, por outro, manter o "mercado de ensino" das universidades privadas dos t
ubarões do ensino. Milhões de jovens endividados e as crises e o drama anual do vestibular estão ai para provar isto: O ENEM, como a FUVEST é uma ferramenta de DISCRIMINAÇÃO SOCIAL, de segregação seletiva para os que vão entrar na Universidade pública.

Ainda assim, é enormemente sectário, num país cuja violência contra as mulheres é BRUTAL, com dezenas de casos ao dia, milhares de estupros anuais, não entender o que se expressou na atual prova.

É óbvio que os capitalistas e "governantes" vão querer sequestrar nossas lutas, tomar o lugar dos que as defendem e, sim, ao colocar o tema da violência da mulher na prova tentam cumprir este objetivo.
No entanto, há um lado, fundamental, que não se pode esquecer que é o de que isto expressa uma pressão da sociedade, de setores que lutam, mulheres combativas, estudantes, setores progressistas, revolucionárias, etc, que estão na base da sociedade, dando voz a opressão que milhões sofrem cotidianamente, criando então uma situação em que a burguesia é obrigada a pautar de algum modo este tema.

Por mais limitado que seja (e é!) a menção do tema no ENEM abre a possibilidade de um debate nacional, no qual nós, setores na base da sociedade temos de entrar de cabeça.
Exaltando o governo progressista ou a "prova esclarecida"? Claro que não! Mas sim, observando que esta foi uma menção arrancada com muito suor da luta cotidiana, cujas protagonistas são as mulheres e, ao lado delas, os homens que se colocam a construir a luta pela igualdade de gênero e que, afirmando a todo momentos o quanto este governo e estado burgueses são CONIVENTES COM AS MORTES, ESTUPROS, RETIRADA DE DIREITOS, MORTES POR ABORTO, QUE VENDEM DIREITOS DAS MULHERES A FUNDAMENTALISTAS FEUDAIS DA IGREJA, etc, é só pela organização desde a base da sociedade que apontaremos para uma solução de longo prazo para o problema da violência contra as mulheres.

A menção no ENEM não resolve o problema. Fato. Mas confortar-se nessa posição de apontar os limites é muito inofensivo e a esquerda tem de sair, mais do que nunca (agora que a crise bate na porta de cada brasileiro e a esquerda NÃO faz, infelizmente, diferença para resistir em lugar nenhum, na prática) desta inércia.

É preciso inverter o OBJETO da comemoração e entender que sim isto foi arrancado pela LUTA e que esta deve se aprofundar, para que não apenas o vestibular, a violência de gênero, mas todos estes mecanismos de dominação da sociedade capitalista acabem.

Grande parte do trabalho revolucionário é buscar saber qual o caminho para se chegar às massas. É preciso CONFLUIR com a empolgação de amplos setores para mostrar que a luta vai além do que se vê. Esta estrada é por uma nova vida.

Aqueles confortáveis em seus tronos de verdades auto-consumíveis, enquanto milhões de ouvidos tateiam em busca de uma orientação libertadora, sua desconstrução tão necessária, por um caminho que leve a construção de uma moral pessoal, coletiva e social e uma sociedade livre da opressão, a estes senhores sectários, o isolamento parece ser o destino certo, caso não mudem de curso a tempo, enquanto o que está em jogo é apenas uma questão de ENEM.

domingo, 4 de outubro de 2015

Coincidência cósmica

Eu não sei o que é o mundo além dos limites do mensurável
O mundo é isto; Uma grande coincidência cósmica
e talvez a única grande coisa que exista sobre ele, sua única grandeza real, seja o fato de que é uma enorme conjunção de coincidências 
que funcionam, se harmonizam, se articulam, ao longo de milhões de anos...
Ao menos é uma raridade para nossas pequenas capacidades de apreensão do que se passa em outros mundos, galáxias, planetas.
O mundo é um nada. Mas para nós, é um tudo. E ainda assim a história da humanidade tem sido a persistência em dividir-se e levá-lo a destruição...
Da humanidade não... a dos herdeiros do primeiro privilegiado, que cercou a primeira porção de terra, se armou pela primeira vez e matou em nome do abstrato "direito" e "propriedade"...
Estes herdeiros levam a todos nós a catástrofe.

Justo nós, que podíamos ascender as estrelas.... 

Sobre cafezinhos matinais e intimidades anônimas.


“Todo dia ela faz tudo sempre igual, se sacode as seis horas da manhã”....

É embalado neste ritmo que ele levanta.
Em seu caso, a música poderia ajustar seu relógio interno e apontar para cinco da manhã. Ainda assim, a idéia da rotina está ali, onipresente, como que transbordando dos fones de ouvido, retirando um pequeno sorriso sádico, como de quem tira um sarro de si mesmo por estar tão próximo da ficção, embalando o ritmo cadenciado do cotidiano.

As 5:35 põe o pé na estrada e começa o rito diário. Aqui, os lugares comuns são incontornáveis e fonte de controversa satisfação. No ponto as 5:40, dentro do ônibus as 5:50, na entrada da estação de metrô as 6:05, na plataforma as 6:07, não importa, o movimento se repete: Caminha, encontra um lugar, levanta a cabeça, faz a varredura.

Com ela, percebe rostos conhecidos, cuja intimidade se faz sentir pela comunhão sagrada do perpétuo repetir de ações; se entreolham. No começo olhares curiosos, como de uma criança tentando se reconhecer no espaço, se integrar ao ambiente, entender as intenções e gestos.

Após tantas repetições, da casca dura da apatia irrompe o tímido sorriso, um “bom dia” em seco, um balançar de cabeça, um estribido de proximidade e, novamente, um lampejo de satisfação controversa pulsa para fora da austera normalidade.

O destino impõe um ritmo de ser. O horário é implacável. Não se pode perder tempo com frivolidades gestuais. Há de adentrar ao fluxo, chegar no horário, postar-se apresentável, vestir a motivação – ou, melhor dito, a resistência- e começar sua parcela no empurra-empurra de engrenagens alienantes, na marcha do dia a dia.

De todo modo, não se pode escapar a biologia. O material ainda é - e sempre será- o que move os humanos, seja para as grandes ou pequenas realizações. Em seu caso, a realização é parar o estampido, que religiosamente dobra seu estômago as 6:35. Aquela escapadela, antes de tomar seu papel, é a solução.

Sobe a escada, olha o céu ainda turvo e iluminado lateralmente por um Sol que ainda não se mostra, sai pela entrada, olha as tabuas improvisadas por cima das quais se preparam tapiocas e cafezinhos por ambulantes cada dia mais numerosos - seria crise? – e entra na lanchonete.

Mal chega, dirige-se ao freezer, pega sua Coca e, ao virar, encontra o braço estendido do atendente que, sem sequer ser indagado já oferece o corriqueiro canudo, a empada no pratinho de plástico e o banco no qual por tantas vezes sentou, por vezes com um sorriso, outras com um bom dia e ainda outras com aquele familiar olhar apático. Tudo em ordem. Tudo como sempre. Tudo normalmente.

Não fosse o estranhamento não pensaria o quão significante é a situação. Pensa em quantos milhões de conexões e relações se estabelecem todos os dias, em todos locais de labuta, em tantas esquinas, avenidas, banquinhas, lanchonetes e, daí, quantas intimidades anônimas se formam assim, produto do cotidiano.

Sim, intimidades. Dois trabalhadores. Não sabem seus nomes, mas naquele instante, cotidianamente, no mesmo lugar, repetem o mesmo ritual e, neste, expressam uma intimidade, tímida, sem dúvida, mas que estabelece uma conexão em meio a fria normalidade e austeridade de São Paulo.

Ali, no pequeno instante da gentileza, o atendente expressa a intimidade de saber que tipo de comida, com que tipo de prato, em que lugar e que salgado ele prefere. A pergunta não se faz necessária.

Através da relação de troca, da compra e venda, este baluarte sagrado que media todas as relações e enrijece sensibilidades e sensações nesta sociedade de lucro, se estabelece a conexão. Tímida e frágil, é verdade, mas ainda assim uma relação.

Um reconhece o outro e, apesar de não saberem nada de si, sorriem, timidamente, pelo gesto de intimidade, que os localiza num mesmo espaço e numa mesma situação. Tal como plantas que brotam de um solo de rígido concreto, esta relação os faz se sentirem mutuamente percebidos, não tão invisíveis e objetificados pelas obrigações e o fluxo do cotidiano.

Afinal, no deserto subjetivo desta maquina de moer gente, o pequeno gesto é o gérmen de uma solidariedade, uma percepção mútua, de um pertencer ao mesmo lugar e, ao menos ali, tornar a presença de alguém real, distanciando, por milímetros que seja, a vida da fria e implacável exatidão dos números, das horas, dos valores e do lucro.

Talvez amanhã eles perguntem o nome um do outro... Ou talvez ai esteja o limite seguro que o cotidiano os permitirá chegar.