quarta-feira, 22 de maio de 2019

E agora...?


Estava só comendo um pastel.
Vez ou outra pego o metrô, sem muito destino, terminando sempre na mesma esquina, ora cheia, ora vazia, como que esperando a vida se manifestar.

Promoção. Nove e noventa um caldo de cana e um pastel.
Espero, enquanto, em um dos ouvidos, soa um rap qualquer, daqueles que já decorei até o timbre do hihat. No outro,  entra o corriqueiro "vai querer sua via?". Nego.
Mais uns minutos e a bomba de carne e massa frita com o refrigerante me são entregues. A coceira de sempre toma a atenção. O celular, como uma necessidade biológica, pede pra ser olhado.
Nada nas redes, nada de novo, apenas a mesma ânsia vazia.
Desço um degrau, miro uma mesa. No instante do movimento, um homem me observa e balança a cabeça em tom de cumprimento. Não sou tão carrancudo a ponto de ignorar.
Retribuo.

De fone de ouvido, o senhor me aborda na mesa, naco e pastel e gole de coca na garganta.
Engulo, puxo um lado do fone, como quem dá metade da atenção e o senhor começa a falar.

Edinei é um homem pra lá dos seus 60 anos. Calça jeans surrada, casaco de lã, cabelos brancos, olhos vidrados e expressão cansada. Na mão, uma sacola de plástico, daqueles verdes desbotados do mercado, cheia de alguma coisa.
Sua fala é rápida, decorada, cheia de informações.

Faz menos de um mês que uso óculos. Deve ser por isso que me abordou, já que, entre uma e outra rajada da propaganda de rua, ele me informa sobre o PH da água, como isso pode danificar as lentes, o estômago e, inclusive, prejudicar a visão. Água o mais alcalina possível é o ideal. Sardinha, pescado, alimentos que ajudam na melhoria da visão.
Em menos de 6 minutos já sei do que se trata. Tiro, por impulso e envolvimento, o outro fone.
Edinei está vendendo algo. Meu impulso de desempregado, claro, tenta esboçar reservas, mas ele continua.

Um gasto de energia grande somado a um acúmulo de informações, muitas delas muitos úteis sobre como conservar os óculos, melhorar a visão, mas ainda nada de me dizer o que ele está vendendo.

Me fala que veio de Ubatuba. Não tem nem 13 anos de contribuição, não se aposentou e tem, como era de se esperar, dois filhinhos pequenos. Não tomou café da manhã nem almoçou, só um salgado no estômago. Já são, afinal, seis da tarde. Ele deve estar mesmo com fome, seus olhos estão vidrados. Do outro lado, rappis, Uber eats, ifoods anônimos se amontoam numa esquina, eventualmente saindo disparados para alguma entrega.

Edinei, então, me fala sobre seu paninho.
Feito de fibra de carnaúba, vindo do Maranhão de caminhão numa viagem de quase dez dias, mais branco que papel, mais macio que algodão. Com cinco apertadas em cada lente e quinze movimentos circulares pra esquerda e direita seu óculos está e fica limpo, salvo eventuais acidentes, pelo dia todo. Nada de roupa, dedo ou detergente pra limpar.

Há algo de mágico na explicação dele. Mágico, metódico e sistemático. Ele se apegou ao que faz com muita gana, criando uma narrativa que instiga e não
dá sequer brechas pra você pensar, afinal, é a forma que encontrou pra sobreviver. Precisa bombardear o interlocutor com informações,  dados, vantagens que, caso adquira, podem ser suas e garantir seus 20 reais, sendo que, destes, ele lucra apenas 7 ou 8. De que outro modo um ambulante, com mais de 60 anos, conseguiria a atenção e o tempo de alguém pra sobreviver na cidade do efêmero?

Decido comprar. Uma nota de dez dou em espécie e o resto passo no cartão.
Sim! Edinei não tem mochila, mas de alguma forma  de dentro da sacola esverdeada lotada de panos e garrafinhas d'água, ele tira uma maquininha. Cada um faz o que pode....

Agradeço o pano e ele me dá a dica final: Se eu dividir o pano em 12 pedaços iguais e lavá-lo uma vez por ano em água filtrada, sem cloro, eles podem durar por 10, 20 ou até 30 anos. É a salvação das minhas lentes, coisa que a obsolescência programada de tudo no capitalismo jamais me proporcionou.

Pergunto seu nome, desejo boa sorte e ele me agradece dizendo que com os dez em dinheiro, ao menos, ele poderá levar um pão pra casa dele.
A desconfiança que qualquer paulistano pode ter, deixando o cartão numa maquininha de ambulante se esvazia quando vejo seu rosto ao se despedir.

Um sorriso de boca fechada, como quem reverencia com os olhos, uma caminhada para a esquina, uma olhada para um lado, para o outro, alguns segundos fixos olhando os entregadores, a franzida na testa como que se questionando "e agora?" e não vejo mais Edinei.

Uso o pano e não é que essa porra é incrível mesmo? Óculos limpo, visão menos turva, coração mais inquieto.
Quantos "e agora" surgem de quantos Edineis na terra da "ambulância" brasileira....?

terça-feira, 21 de maio de 2019

Afinal, é o capitalismo, estúpido! Ou sobre névoas e fumaças...

Eu fico impressionado como em pleno 2019, diante de um possível grande evento de extinção em massa de milhões de espécies, com o clima se deteriorando de maneira galopante tornando o planeta cada vez mais complicado para a vida em geral e a humana em particular, sem falar da falência completa do neoliberalismo e das economias de mercado, com a extrema direita avançando a passos largos, monarquias absolutistas apedrejando gays e mulheres em praça pública, apartheid de milhões de palestinos, desemprego, suicídios, miséria crescente no planeta, enfim, uma verdadeira distopia, NINGUÉM, nenhum ator político relevante se levanta para questionar, ainda que discursivamente, o sistema econômico capitalista! Nem se fala mais a palavra capitalismo!

Evocar o termo é como se a quem te olha você estivesse nos anos 80, 70 ou 60. Mas, desafortunadamente, é isto mesmo o que vivemos.
O CAPITALISMO. E piorado, em sua fase imperialista e financeira.

Com a mesma lógica de superprodução de mercadorias pra gerar lucro, gerando, assim, crises de excesso de produtos,, excesso de créditos, excesso de alimentos, enquanto, de outro lado, milhões morrem de fome, encontram a falência da inadimplência...
Com a mesma ANARQUIA econômica, onde tudo, quantidades e o que produzir, é decidido não pelas pessoas mas pelo que? Uns 7 ou 8 grandes trustes/monopólios, que produzem e disputam de acordo com suas taxas de lucro e não de acordo com um plano baseado na NECESSIDADE das PESSOAS.
Com o mesmo mecanismo de roubo fundamental, implementado através da jornada de trabalho e do avanço tecnológico, o tal roubo do trabalho excedente e da famigerada mais valia (ou mais valor), daquilo que o trabalhador gera e vai MUITO além do que recebe como salário (pense, por exemplo, num chapeiro do Macdonalds que, por dia, faz 100 sandubas de 20 reais cada gerando 40 mil no fim do mês e recebendo 1000 como salário). Tudo isto segue amplamente em amplos setores da economia e sociedade.

Entretando, tal questão é quase um tabu, seja nas conversas triviais entre pessoas ou, pior, na política "oficial", como se hoje fôssemos envolvidos em uma névoa mística que nos impede de pensar outra forma de fazer coisas muito simples:
- produzir coisas
- distribuir coisas
- nos relacionar  solidária e fraternalmente.

Hoje, o capitalismo é um sistema que produz coisas, restringe e condiciona a distribuição destas pelo lucro e poder econômico de quem compra (não tem money? Não leva o honey) e divide a sociedade cada dia mais entre os que tem e os que não tem, os que exploram e são explorados, entre os que nada produzem e vivem de lucros e juros e os que tudo produzem, trabalham e vivem na miséria e dificuldade, em suma, entre os interessados na solidariedade e os interessados na exploração.

Não é difícil perceber que este sistema de coisas conduz nossa civilização e, antes disto, o país, a ruína. É daí que vem o aumento da criminalidade, das doenças, da fome, da falta de moradias, dos salários de fome, do embrutecimento, da deseducação, da discriminação.

Vejo amigos e gente jovem dando de ombro desinteressados, mas eu lhes pergunto: se não nós, esta geração, quem vai dar importância pra esse impulso que tanto nos trouxe de conquistas para os oprimidos e trabalhadores (eu, você, sua vó, minha tia, nossos pais) ao longo dos últimos 170 anos? Haverão muitas gerações mais, ainda?
Toda ação tem um custo. E a inação gera os maiores.

Uma das conquistas dos últimos 30 anos, dos grandes bancos e magnatas industriais, além de seus agentes políticos, foi afastar não apenas da política "oficial" como da vida das pessoas, qualquer idéia de que é possível mudar as coisas, transformar a vida, transformar as formas de se relacionar com a política, com a economia, com a produção de bens ou entre as pessoas.

É como se não houvesse alternativa além de "administrar o que está aí". Ou seja, enquanto os muito ricos seguem nadando na riqueza coletiva roubada, só é possível ver se dá pra tirar um pouquinho mais do que sobrar pro povo não morrer de fome.

Aqui, no país das maravilhas, já é como se o brasileiro, esta espécie única de homo sapiens, fosse incapaz de conceber um novo mundo, de mudar, de optar por grandes transformações, pelo basta numa sociedade fraturada, em que todos são inimigos de todos, todos precisam tirar vantagens de todos, uma sociedade em que a "lei de gerson" venceu pelas qualidades particulares deste exemplar espécime.

Não. Esta farsa, este individualismo, este banho de sangue na base social da pirâmide é construído, estimulado e mantido graças ao saque das riquezas nacionais, seja através da exploração direta dos trabalhadores (nas fábricas e produção ou pelos bancos), seja nos mecanismos de saque institucionais feitos pelos agentes políticos da burguesia (privatizações, juros infindáveis da dívida pública).

Um novo mundo precisa ser parido, mas ainda não há parteiros conscientes disto. Nesse "escuro-claro" surgem os monstros, já diria o herói Italiano. E como tem surgido nos últimos tempos...

Hoje, mais do que nunca, é preciso gritarmos forte por uma sociedade nova, fraternal, livre das amarras do lucro, onde tudo seja produzido pra suprir as NECESSIDADES das pessoas e não os lucros e interesses de um ou outro conglomerado de bancos e burgueses.

Questionar tudo, todos dogmas, toda a falsa normalidade, a farsa de administrar a bárbarie, a hipocrisia de um sistema que PRECISA dos pretos mortos, camponeses sem terra, operários sem trabalho, mulheres sem direitos, pra poder manter os privilégios de uma ínfima minoria, tudo isto é o mais elementar que podemos - e precisamos- fazer hoje.

Chega de reverências e ilusões. Você vive no mundo real. Na exploração real. E ele está em chamas. Resta saber se ainda há como apagá-las. E se há quem se disponha a tal ação.

terça-feira, 14 de maio de 2019

Paralisação do dia 15: As batalhas decisivas estão começando

A batalha pela educação que começará a se dar amanhã pode ser o prólogo de uma vitória contra a reforma da previdência.
Ao contrário do que alguns grupos de esquerda pensam e afinado com o espírito que os trabalhadores mostraram já em 2017 quando fizeram a greve geral de 45 milhões contra Temer e as reformas (energia esta traída pelos burocratas nos sindicatos e nos partidos adeptos da conciliação de classe e de olho em 2022) não estamos derrotados ou "na defensiva".
O momento das batalhas decisivas, que vão definir se entraremos numa situação política de maior fechamento do regime político, correndo risco de mergulhar em autoritarismos e ditaduras ou se iremos encontrar uma nova oportunidade (como a de 2013) de que um projeto político e de transformação de país e de mundo pela esquerda surja ou ganhe influência para representar a maioria dos oprimidos, está próximo.
Consequentemente, os destinos dos atores políticos em cena também está para mudar. O futuro de Bolsonaro depende do resultado do embate. O de Moro e seu salto para o STF, muito mais.
Uma aliança de ambos e pausa em sua bateção de cabeça, assim como entre as alas Olavetes, milicos e do STF, é esperada diante da reação popular. Se a mentira e tentativa de engano não servir, veremos a turba da repressão.
Deste lado, as centrais, partidos de esquerda e trabalhadores mais organizados apenas mostram sinais, porém, olham atentos para a mobilização da educação. Se essa for vitoriosa, uma injeção de ânimo pode fazer os trabalhadores atropelarem as direções pelegas e traidoras e um espaço novo de influência e força de um projeto de esquerda (também revolucionário) tende a se abrir.
Estas lutas podem decidir o destino de, pelo menos, os próximos 10 anos. E o consórcio burguês sabe disso. Por isto teme a ação popular. Nos preparemos e o passo adentrando neste momento começa amanhã.
Todos e todas aos atos e paralisações do dia 15 contra os cortes da educação!!!