sábado, 27 de junho de 2020

Elegia a dona Maria

Elegia a dona Maria.

Quando chegamos aqui, muito antes da interdição, dona Maria nos recebeu desconfiada.
Do alto dos seus 90 anos, deve ter visto muita coisa. Passamos pelo portão e soltamos aquele bom dia de passagem, escoltados pela cabecinha idosa que seguia nossos passos até o final do corredor, balbuciando algo que não conseguimos entender.

No fundo, uma família, daquelas sisudas, estranhas, tipicamente disfuncional, pronta - e desejosa - pra foder alguém.

Não tinha nenhum luxo, mas encontramos nosso cantinho num dos 4 cômodos espremidos entre casas, tentando decifrar, como em toda mudança, os sinais dos arredores.

A família, estranhíssima, era dirigida por uma mulher, cabisbaixa, silenciosa, mas sempre atenta e observadora. Passava, dia após dia, por nosso portão sem falar nada. Quando, insistentes, lançávamos um tímido cumprimento, o soslaio ou silêncio reativo eram o máximo que alcançávamos. Deixamos de cultivar aquela postura padrão de cordialidade e se instalaria, nos meses seguintes, uma justificada beligerância silenciosa.

Triste. Ainda mais porque, na defensiva, não notaríamos a tempo que aqueles olhares, dessa vez não dos fundos, mas da frente, baixinhos e atentos, de Dona Maria, eram a expressão de um fio de apego a vida, uma curiosidade serena que se agarra ao fio de vitalidade, como de quem quer saber, entender, conhecer e até cuidar do outro.

Só fomos entender quando, lá pela quinta ou sexta passada ao lado da casa da frente, escoltados pela mirada penetrante, dona Maria nos chamou e ofereceu um bolinho, delicioso, recém comprado, provavelmente com o pouco dinheirinho que lhe restava para sobreviver ao fim destas 9 décadas.

Isso desarmou nosso estado. Conversávamos a cada nova passada, víamos o jardinzinho bem cuidado, as dezenas de plantas de diferentes espécies, regadas com esmero por aquelas mãos enrrugadas e atenciosas e trocamos bolinhos nos fins de tarde. Nos falava dos cocôs dos gatos da vizinha da frente, das plantinhas, da sua dor nas pernas, de suas caminhadas pelo bairro, sempre muito apressadamente, no corredorzinho que ligava nossas moradas. Nos levou uma vez um frango assado, delicioso, que tratamos de responder a altura, com um bolo de cenoura com cobertura de chocolate, que recebeu com aquele sorriso esforçado de portuguesa, com seus olhos espremidos entre as rugas volumosas.

Percebemos que, daquele gesto, quase uma relíquia comportamental esquecida, de carinho e troca, de um tempo passado, um tributo de amizade, Dona Maria queria viver, sentir-se viva e, assim, via sua vida através do outro, neste caso nós, estranhos, aos quais ela estava disposta a estender as mãos, mesmo que não tivesse muito a oferecer.

Em certo momento, a família dos fundos começou uma mudança. Foram para a casa do terreno ao lado lá na frente. O único que se comunicava conosco, o pai, mais velho, com feições trabalhadoras e uma fala que se desenrolava meio que sorrindo, meio envergonhada. Vivia tomando esporros da mulher, seguidas de um silêncio e da saída do filho mais velho e da filha do meio, ambos já jovens adultos. Vez ou outra víamos o caçula, quieto e retraído, correndo pra lá e pra cá no quintal dos fundos e, nos dias de mudança, passando, sempre curioso, nos olhando pela portinha de casa. Quando percebíamos que nos observava, ele corria derrepente, desviando o olhar. Devíamos ser pintados pela mulher como algum tipo muito estranho de seres humanos, o que, naturalmente, iria despertar a curiosidade e o receio naquele moleque.

A casa do fundo ficou vaga, o silêncio mais presente, mas sempre ainda podíamos contar com o olhar atento e as conversinhas agradáveis de dona Maria. Com o tempo, nossa hostilidade foi diminuindo e se tornando um conforto seguro, do qual tanto precisávamos.

Vez ou outra, como não podia ficar só, vinha à casa de dona Maria uma mulher, também mais velha, lá pelos seus 60 anos, limpar e cuidar dela. Fomos descobrir depois que era sua filha. Ouvíamos o som do aspirador, sentíamos os cheiros da comida nos domingos e começamos a ser cumprimentados também pela filha sempre que passávamos pelo corredorzinho. Era uma pessoa sorridente, bem humorada, mas com um que meio estranho, distante, até meio melancólico.

Foi numa noite. Não lembro se num fim de semana ou num dia normal.

Ouvimos na porta de casa nos chamarem. A filha, num ritmo lento e estranho, nos dizia que precisava de ajuda. Dissemos olá e perguntamos se estava tudo bem.
Dona Maria tinha caído nos degraus da frente de sua casa.

Corremos pra meter uma bermuda e roupas, abrimos o portão apressados e fomos pelo corredor. Já era noite.
Na porta de casa, dona Maria estava lá, de costas no chão, com metade da cabeça no jardim e os pés encostados no primeiro degrau.

Tomamos um susto enorme. Estabilizamos sua cabeça, seguramos firme seu corpo e fomos levantando pouco a pouco. Ela balbuciava, com seu sotaque português, alguma coisa sobre o portão frouxo, sua filha ser irresponsável, dor nas costas e outras coisas indicerníveis.

A levantamos pouco a pouco e fomos entrando por sua casa. Nunca estivemos lá. Era uma casa de vó, com armários de cozinha azuis, mesinha no centro de pernas de metal, com pisos que lembravam minha casa na infância.

A colocamos sentada. Nos pediu uma pomada em seu quarto. Lá vimos uma foto bonita, preto e branco, não sei se dela ou da filha, em cima da cômoda.
Nos pedia para passar a pomada em suas costas, que bateram no chão e ver se estava sangrando sua cabeça.

Fizemos com cuidado e vimos que não estava. Durante todo o tempo em que estivemos lá, quase uns 20 minutos, a filha desapareceu.

Acalmamos nossa velhinha, passamos mais pomadas, tranquilizamos e a colocamos no sofá. A filha, então, retornou. Teimosa, dona Maria ouviu dizermos pra ela ir ao hospital, já que uma queda, nesta idade, é séria. Não quis ir de imediato, mas parecia estar disposta. Queria dormir. Nos deu um abraço e, antes de sair, falamos com a filha pra levá-la, nem que no outro dia.
Nos falava sobre a teimosia da mãe, explicou por cima que ela tinha escorregado e agradeceu.
Ficamos preocupados.

Essa seria a última vez que veríamos dona Maria.

Algumas semanas depois, fomos saber que sofrera outra queda, desta vez dentro de casa. A filha nos contou, numa das passadas pelo corredor, que estava no hospital. Não tinha ido quando da primeira queda e, após a segunda, sentia fortes dores de cabeça.
Até perguntamos se estava recebendo visitas - e se estivesse gostaríamos de vê-la - mas não quisemos insistir, já que a família provavelmente estava ocupando todos os horários.

Daí pra frente tudo foi ficando mais estranho. A cada nova passada pelo corredor, um bom dia sorridente e formal, agora da filha. Nas primeiras vezes perguntávamos como estava Maria, ao que nos respondia que estava internada, mas que não ia visitá-la há dias. Achamos muito estranho a combinação.

Com o passar dos dias, fomos percebendo que estávamos sendo evitados. Não mais aparecia na janela e, com as semanas passando, dona Maria não voltava e não tínhamos mais notícia. Supusemos o pior.

Pior este confirmado quando, numa das passadas de corredor, ouvimos, de rabo de ouvido, a filha contar para a mulher da família, agora no terreno da frente, sobre o falecimento de Dona Maria. Ficamos tristes. Por tudo. Por não saber, não ter como ajudar, não ter sido avisados…
Mas não havia o que fazer.

Pouco tempo depois, se abateu a interdição. Preocupados com nossa própria segurança, organizávamos os meses que se seguiriam, buscando comprar e organizar nossa própria vida.
Num destes dias de preparação, ouvimos uma discussão na casa da frente. Era um homem, nervoso, gritando aparentemente com a filha e dizendo que ela deveria sair da casa o quanto antes. Não entendemos bem.

Nos dias seguintes, percebemos alguma movimentação entre a casa da frente e a de trás, mas, ocupados como estávamos e ainda trabalhando, não entendemos de início. Estranhamos quando, depois de um tempo, percebemos a casa de Dona Maria vazia.

Seguimos em nossa interdição, dia após dia, morte após morte, ansiedade atrás de ansiedade, sem saber quando acabaria.

Após algumas semanas começamos a ouvir alguns barulhos estranhos vindos da casa dos fundos.
Estranhos, já que não havia luzes nem ruídos muitos altos.

Foi apenas após 3 meses de reclusão que percebemos o que acontecia. Nos fundos, víamos a filha, vez ou outra, espiar pelo corredor, quando entrávamos e saíamos. De alguma forma estava vivendo lá, sozinha, sem luz e isolada.

Quando percebeu que a víamos, começou a sair. Achamos de início que para trabalhar, mas percebemos que os horários batiam com o do bom prato da região. Nas poucas vezes que cruzávamos, nos sorria e dava bom dia, sem tocar no assunto de dona Maria ou de sua própria condição. Mais semanas se passaram.

Num fim de semana qualquer foi quando percebemos, de fato, o que se passava. Ao sair de casa, alguns homens entraram no corredor pra ver as casas e, ao chega na casa dos fundos, falavam alto com alguém no telefone que havia ali um cadeado. Tentar tirá-lo, antes de tentar arrancar alguma coisa de nós que, de fato, sequer sabíamos de nada. Foram embora.

A filha provavelmente estava, nos seus 60 anos, pelo menos 3 meses ocupando a casa e sobrevivendo como podia.
Não tardou a tragédia a retornar.
Numa manhã comum, um homem batia em nossa porta. Saímos pra ver e perguntar o que queriam. Já conhecíamos o tipo.

Se identificou como policial e começou um interrogatório incisivo sobre quem morava ali. De pronto, já que não somos afeitos a colaborar ou se submeter a estes tipos, fincamos em vozes firmes que não sabíamos de nada e que nós apenas morávamos ali. Ligue a imobiliária e procure saber.

Ao perceber nossa firmeza, baixou o tom e balbuciou alguma banalidade sobre os perigos de ocupantes, terminando  a nos dizer que estavam ele e sua delegacia a "disposição" caso percebêssemos algo estranho. Foi embora, mas não antes de quebrar o cadeado e jogar todos os poucos bens na casa dos fundos no meio do corredor.

Mais a noite, ouvimos outra voz. Era a filha, em prantos, dizendo que o pior tinha acontecido. Não estava bem. Falava versões contraditórias sobre os motivos, que sequer sabia quando sua mãe falecera, sobre a família que abandonara, como não podia voltar para sua cidade natal.

Não tínhamos como ajudá-la muito. Oferecemos um dinheiro para passagem ou um hotel para descansar e preparar seu retorno ou pedir ajuda a algum amigo e familiar. Nos agradeceu muito, mas disse que iria para a rodoviária, ver o que fazer.

Tão rápido quanto tudo ocorreu, ela se foi, deixando suas panelas, um quadro de Santa Terezinha e um colchão, ensopado da chuva que tomou na noite em que ficou exposto.

Semana passada, uns pedreiros entraram no corredor. Arrancaram todas plantinhas, ensacaram os pertences, jogaram na frente do portão lá fora e por fim, cimentaram o outrora chão, tão nutritivo e que recebera tanto cuidado de Maria. Só restou o quadro, espremido num canto de parede.
A família, atenta a tudo, depois disso se trancou. Vez ou outra o menino aparece numa janela embaçada, sumindo quando é visto.

O corredor voltou a ficar vazio.
E agora ninguém mais espia nossa entrada.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

A volta dos que não foram.

O sentimento de angústia é uma entidade familiar dos brasileiros há uns bons anos.
Em particular para aquela pequena franja de trabalhadores que, pelas casualidades da vida, tiveram contato com os meios intelectuais de esquerda e que buscam interpretar uma saída para todo o beco histórico - ou talvez seja melhor chamar de poço - em que nos encontramos. 

Entre os trabalhadores mais distantes desse privilégio, a realidade se apresenta como uma sucessão de decepções, sem saída. 

Para uma geração mais antiga - aquela que viveu os anos "dourados" da luta operária dos 70 e 80 - tudo passou rápido demais de uma esperança de melhoria de vida gradual, concretizada pelas promessas da chegada do PT ao poder nas eleições de 2002, a um desmoronamento vertiginoso das condições de existência, de 2016 para cá. 

A reestruturação completa das relações de trabalho, colocando o país de forma aprofundada na trilha do novo mundo do trabalho, em que trabalhos com direitos são a exceção e a regra são os cargos precarizados, intermitentes, informais e sem direitos, com baixíssimos salários, diminuindo drasticamente o preço da força de trabalho brasileira; o fim trágico do direito, para a atual e futuras gerações, ao mínimo mecanismo de solidariedade concretizado na aposentadoria; o enorme desemprego estrutural e permanente; todos estes cenários impensáveis durante os anos de governos PTistas, surgem como uma realidade  amarga.

Alterações históricas gravíssimas das relações entre as classes acontecem diante de trabalhadores que, golpeados pelas consequências históricas de uma reestruturação preventiva constante do capitalismo, mal percebem com clareza como se dá sua fragmentação, se enfraquece sua força objetiva na produção, se dividem suas formas de viver e ver o mundo e como, em suma, são divididos e conquistados.

A profundidade da derrota histórica do fim dos Estados que, por burocratizados que fossem, eram a expressão histórica e um fio de continuidade de um outro mundo possível, uma outra forma de relações sociais e produtivas criado pelos debaixo, atinge em cheio a estes trabalhadores.

A desmoralização, o hedonismo, os vícios descontrolados, o crime, o suicídio, a fuga, todos fenômenos humanos e sociais presentes em geral na história, são amplificados e tornados vias de vazão de uma profunda angústia social. Está instalado um profundo mal estar que se agrava dia após dia. 

Todos sabem que nada está certo, mas ninguém acha que algo vá mudar. Ou que possa mudar.

A atomização, o individualismo e a prostração são os sinais do adoecimento social dos oprimidos - e também das classes médias - contemporâneos , cuja única realização de sociabilidade é através do consumo e sua ostentação.
Assim, não surpreendem as filas em shoppings em meio a maior epidemia do século.

Como consequência, se produz um retrocesso organizativo, ideológico e da consciência de classe profundos, base desta angústia e sentimento de beco sem saída. 

Se perde a realização do potencial unificador de uma identidade de classe explorada contra uma minoria exploradora, inescrupulosa e parasitária, se dissolvendo no profundo mecanismo divisor das subjetividades dos, nem tão outrora assim, chamados proletários.

Ressurgem as caricaturas infantilizadas que, tal como espantalhos, auxiliam no processo de confusão e desmoralização planejadas dos debaixo.

A velha tática de demonização do dito comunismo, dos "vermelhos" autoritários, sádicos e abortistas encobre os verdadeiros sádicos, parasitas e autoritários no exercício de um poder voltado a, numa fase de decadência capitalista, uma concentração de capitais, de riqueza, nunca antes vista nas mãos dos mega bilionários. 

Qualquer ficção de democracia é pisoteada pela realidade de um país capitalista atrasado como o Brasil, onde 104 milhões vivem com 413 reais e 68 milhões sobrevivem de alguma maneira na informalidade ou desempregados, todos estes bombeando riqueza sugada por uma minoria de bilionários gozando paraíso terreno, em cima de cadáveres de 50 mil mortes (até agora e em dados oficiais), evitáveis, por Covid19. 

Esta angústia conduziu milhões de uma enorme crise de representatividade, com eleições atrás de eleições de aumento em votos nulos e abstenções, para a demagogia "antisistêmica" prometida por Bolsonaro e sua gangue de protofascistas.

Uma vez enterrada a esperança vendida pelo PT graças aos tempos excepcionais de crescimento econômico, sugada para dentro do Estado e de seus programas sociais, o caminho da destruição econômica na colônia, exigido pelos países imperialistas, pegou estes proletarios desprevenidos. 

Imperialistas? Um termo tão século 20... Com consequências tão presentes no século 21. 

Nossa economia, dependente e submetida em todo o fundamental, é retalhada e reorganizada de acordo com os planos dos grandes monopólios estrangeiros. 

Programas sociais cancelados, recursos cortados, Petrobrás é afundada, Embraer quase entregue aos estadunidenses, globalplayers da construção destroçados, grandes exportadores de carnes absorvidos pelos capitais gringos. E no fundamental, seguimos exportadores de bens agrícolas, minerais e de pecuária, enquanto fazemos valor fluir para as metrópoles comprando todos bens industriais e tecnológicos que  vendem. Uma semicolônia, formalmente independente, na prática com sua administração controlada pelos estrangeiros.

Do vampiresco Temer, só se produziu tragédias, num regime ainda mais carcomido, fruto de mais um golpe de Estado realizado por frações burguesas que cansaram de esperar e decidiram governar diretamente, sem gerentes vermelhos, atendendo as ordens de Washington e cia.

Sempre projetando sua sombra sinistra, por 13 anos debaixo das asas dessa progressismo avermelhado petista, militares mantiveram sua parte no banquete. Isentos dos efeitos das reformas, sugando vorazmente os recursos públicos através de pensões , soldos, auxílios e penduricalhos, a nova república foi um bom negócio. 

Trocaram incertas consequências da politização dos trabalhadores, tão perigosa para os interesses empresariais, nos anos 80, por alguns anos de trégua e "banho maria". 

Perdoadas, por lei, as atrocidades cometidas, se tratava de corroer a memória histórica, pouco a pouco, sob as asas daqueles contra os quais combateram na época das guerrilhas e greves. 

Voltam a falar abertamente em revolução de 64 como marco democrático e demonstram, após 40 anos, a tutela em sua forma mais plena, acenando com um pretenso papel moderador militar, cuja fonte, não surpreendente, não é o voto, mas o monopólio das armas. 

Tal como um russo inteligentíssimo diria, afora o poder, tudo é ilusão.

E os fardados brasileiros, estes sim legítimos mamadores das tetas do Estado e, também, de uns biquinhos estrangeiros mais ao norte, nunca se deixaram iludir. 

Em momentos chave, atenderam ao chamado da nação, ou mais propriamente de FHC, para acabar com a baderna dos operários da CSN. 

Nunca fugiram a luta de aplicar, com esmero e dedicação, a ordem democrática materializada na novíssima lei de drogas de 2006, esta atualização da Lei da vadiagem contra os pretos nos fins do século 19, aprovada pelos progressistas Ptistas e mantida pelos reacionários de todas as cores, sempre que convocados aos morros e favelas. 

Como é preciso "mexer os músculos", cumpriram seu dever cívico democrático de levar a civilização ao barbarizado Haiti, destroçado por tragédias naturais e sociais, novamente seguindo as orientações da ONU/EUA e com a condescendência dos progressistas da estrela vermelha. 

Uma verdadeira "escola de guerra" de abate de civis, infiltração psicológica, ocupação militar e, ocasionalmente, um pouco da boa e velha degeneração moral tão familiar as casernas e ao alto oficialato de qualquer Estado Burguês. Afinal, como manter ativo, em tempos de paz, o espírito de combate das tropas sem uma chacina aqui, uma troca de alimentos por sexo oral ali, um estupro e execução acolá....?

Os "filhos de caxias", então, eternos injustiçados, eram novamente convocados a seu papel moderador,  eternos mantenedores da paz, cumprindo seu dever nos eventos históricos - de corrupção e sucção de recursos - da copa de 2014, olimpíadas de 2016 e, por fim, na malfadada, porém bem vendida, intervenção militar de 2018, no RJ. 

Respaldados pelos instrumentos normativos da modernidade condensados na lei antiterrorismo aprovada por, vejam que surpresa, novamente os progressistas vermelhos (talvez objetivando eliminar alguma célula da Al Qaeda em terras Tupiniquins, jamais imaginando ser essa uma arma contra o povo), puderam enfim aplicar as lições da escola haitiana para impedir a decadência e desintegração em sua terra natal.

Heleno, Braga Netto, Villas boas, Luiz Eduardo Ramos são todos criaturas do pacto de 79, este desvio da progressão de lutas populares, uma trégua resultante da covardia e traição, da lei de anistia e da escola do Haiti, uma ocupação imoral e assassina, pensada para arrancar daquele povo qualquer idéia de emancipação, vendida como "missão de paz" pelos "democratas" pequeno burgueses brasileiros.

No governo que se gaba de ter "feito história", encontraram refúgio em Lula e Dilma, os quais fizeram mesmo história pela covardia de 13 anos no poder sem realizar nenhuma reforma séria, seja na estrutura militar, tributária, agrária e por aí vai… 

Os torturadores que não morreram, de velhos, em seus condomínios de praia, tiveram tempo o suficiente para conspirar - e ensinar - com liberdade total de ação.

Em Bolsonaro encontraram a janela de oportunidade para a redenção, a chance de, enfim, limparem suas fardas, com boas ações de falsificação histórica, do sangue derramado e, reeditando a repetitiva história brasileira de assaltos militares ao poder travestidos de "moderação", posar como os guardiões da democracia.

Para isso, auxiliados pelos pupilos da nova geração, tão tacanhos quanto seus mestres, contam com as armas da modernidade e o expertise dos papais do norte. 

Lotam os escalões governamentais de militares, impõe e articulam projetos de lei de vigilância digital total, com CPF em redes sociais e monitoramento permanente de navegação pelo governo através dos provedores de internet e, por fim, deixam claro que em sua democracia, quem fala por último são as armas. 

Tomam o poder de fato.

O oxímoro brincalhão ganha corpo em toda a história da nova república, uma democracia de fachada, tutelada pelos milicos sempre a espreita, mantida por uma guerra civil maquiada contra pretos e pobres, num regime político democrático fictício, que pinta uma falsa igualdade formal de todos perante a lei para maquiar uma sociedade dividida entre explorados e exploradores, onde a única realidade é a desigualdade real diante da propriedade e da legalidade burguesas, capitalistas.

Obviamente, um regime que é embelezado pelos bonitos discursos da "ouvidoria do capital", esta nova velha esquerda no comando da maioria de organizações como PSOL e Cia, sempre pronta a conduzir a indignação esporádica e inevitável do povo para promessas de "civilizar a exploração", bastando que "votem em nós". 

Os militares disseram que foram, mas, derrepente, voltaram; já são o poder.

Contra a ilusão democratista ingênua e estúpida quando sai das bocas oportunistas dos progressistas de vermelho desbotado ou amarelo solar sorridente ensinam que o poder, a única realidade de fato, não emana dos votos do sufrágio, desta abstração de soberania popular, mas das armas, da força e da propriedade. Como sempre foi e sempre será até o fim de todo poder.

Parte do balanço histórico ainda precisa ser feito e é na profundidade das consequências das decisões tomadas ao longo destes anos que encontraremos os nós dos dilemas atuais.

O abandono do pensamento estratégico voltado para eliminar o poder do capital e erguer um novo, dos explorados, conduziu nossa esquerda, de outrora e de agora, a um duplo caminho: a adaptação e integração total ao Estado, as regras do jogo e a legalidade e propriedade burguesas, sobrando apenas o papel de administrar a exploração abandonando a própria definição como esquerda, como no caso PTista; ou a uma existência de nicho, baseada nas classes médias e camadas superiores de trabalhadores com direitos, impotente, romântica, ingênua e domesticada pelas mesmas regras do jogo.

Uma esquerda sistêmica que, longe de negar o sistema, faz parte da dissidência planejada e controlada, que reafirma sua existência: uma espécie de encontro recorrente de Neo com o arquiteto da Matrix, pra usar um exemplo cinematográfico pop.

Divorciadas da maioria dos trabalhadores em todos os campos, do organizativo e ideológico ao vocabular, pisoteados como ideologia de uma elite numa bolha, as idéias revolucionárias tem uma longa e difícil caminhada para retornar ao caminho da vida real e material dos oprimidos.

Hoje são, no entanto, mais do que nunca, urgentes e necessárias.
A destruição da vida, a miséria, fome e genocídio são ocasiões presentes e dissolvidas num cotidiano de apatia e desmoralização, de negação de reconhecimento da própria condição de dominados.

Retomar a história de tantos como nós, que há algumas décadas apenas ousaram tomar seus destinos - bem como suas fábricas, terras e empresas - de forma prática, em suas mãos, realizando ações independentes dos exploradores, diretas, buscando criar um novo mundo e uma nova sociedade, é uma necessidade histórica, a condição cada vez mais evidente para a sobrevivência humana. 

Nas condições da periferia do capitalismo, este papo soa utópico, irreal, romântico. A barbaridade cotidiana é tão mais presente que a mera idéia de uma ação coletiva capaz de cessá-la soa ridícula e pouco realista. 

O que a história ensina, no entanto, é que grandes tragédias históricas promovem grandes questões existenciais e, mais do que nunca, a crise sem precedentes de uma economia em depressão e uma epidemia mortal colocam para nossa geração e as próximas a maior delas, a questão do futuro.

Toda grande questão receberá uma resposta, cedo ou tarde. 

Sabem disso aqueles que se antecipam, como nossos realistas militares, criando diques de contenção contra a revolta daqueles que, hoje por hoje, esqueceram de sua força real e se debatem na luta pela sobrevivência, ainda atemorizados por um poder que lhes parece natural, invencível, imutável. E por isso que não tomaram o poder com tanques na rua. Não precisam jogar a realidade na cara daqueles que, por ora, não enxergam seu papel no espetáculo.

Todos grandes sistemas econômicos e sociais enfrentaram essa situação. 
O poder dos senhores de escravos, dos lordes feudais, dos monarcas absolutos, todos, em seu tempo, por vezes por séculos e até milênios, ostentaram sua infalibilidade e seu direito inquestionável a existência.
Todos, como todas obras humanas, caíram sob os pés das próprias contradições.

O próprio fato de estarmos hoje refletindo sobre isto, demonstra que as contradições existem e corroem, pouco a pouco, os pés de barro de um sistema cuja existência contradiz as necessidades humanas. 

Que produz alimentos para três planetas, mas condena bilhões a fome; que produz moradia suficiente para todos, mas impede que todos a tenham; que alcançou um nível técnico capaz de suprir a todos um nível médio elevado de vida, mas condena bilhões a miséria permanente.

Diferentes dos demais, no entanto, o capitalismo terá de ter seus pés decepados, como obra consciente, dando lugar a um sistema surgido de suas entranhas. 

E é está a única saída histórica, a única fonte de energia, entusiasmo e vontade, com a qual podem contar aqueles trabalhadores privilegiados por terem contato com a história da luta dos oprimidos. É está a realidade dura por detrás de todas as crises enfrentadas por todos explorados no planeta.

De nenhuma maneira é inevitável que vençamos. A história não segue uma linha reta. O feudalismo, por exemplo, foi a expressão de um retrocesso de mil anos (!!!) em muitos sentidos, em comparação ao que foi o sistema dos romanos em seu ápice. A barbárie e desintegração estão sempre espreitando. 

Acostumados a tratar seus inimigos pela via de simplificações e caricaturas, os capitalistas e seus enganadores profissionais tentam pintar os comunistas, indignados e revolucionários como incendiários, agentes do atraso, da barbárie e do caos. 

Ao contrário. 
É na forja fervente desta campanha permanente de mentiras, imersos na angústia de uma sociedade que grita por mudança, mas ainda não produziu as ferramentas do parto do novo, que a história nos lança seu desafio: ou os revolucionários conquistam seu direito a existência e, assim, destroem os freios que impedem o progresso da humanidade e a manutenção da civilização ou a angústia tornará mais e mais degenerada a face da sociedade humana, até uma nova desintegração.

Entre a distopia e a utopia, há um caminho.

A da ação consciente, que pressupõe uma atitude científica e séria, um compromisso total com a vida da maioria da humanidade, a busca pela transformação social, indo até onde os fatos e a história nos levam e enfrentando suas consequências e desafios.

No Brasil, o primeiro deles é ousar chamar as coisas pelo seu nome. Separar os trabalhadores de toda a influência dos patrões, de seus valores mentirosos, dessa cada vez mais falsa esperança de realização pessoal pelo enriquecimento, a mentira da meritocracia, mesmo quando esses valores são propagados por gente que vem debaixo, de onde viemos.

Denunciar a hipocrisia da democracia capitalista e liberal e pacientemente, traduzir a experiência histórica em cada uma das lutas atuais imediatas, da enorme maioria preta e trabalhadoras onde estão as energias mais explosivas capazes de mudar tudo, conduzindo a uma só conclusão: a necessidade de um novo poder, um Estado dos trabalhadores e explorados erguido em cima da destruição das instituições e da legalidade capitalistas, baseado na democracia direta e autoorganizada nos bairros fábricas e locais de trabalho.
Onde a necessidade humana seja o motor da sociedade. Está é a única saída coletiva para a maioria. 

Para isto, coragem, coragem e mais coragem são os requisitos para seguir dando exemplos que nos aproximem mais e mais do momento da ofensiva, nacional e internacional, pelo poder.

Eles voltaram, é certo.
Mas nós ainda não fomos.




quinta-feira, 18 de junho de 2020

Combinações incomuns: segue o plano de queimar o fusível Bolsonaro

A combinação de situações é muito incomum.
Prisão de sara winter e os idiotas performáticos do acampamento; avanço do STF na pressão de investigar as fake News nas eleições de 2018; agora
a prisão de Queiroz, estranhíssima, há um ano na casa do advogado de Bolsonaro; Weintraub caindo "pra cima'...

Já começam a vibrar as forças a esquerda no escritor político, na defesa do STF, soltar memes e compartilhar gracejos com membros do MBL... Tudo muito estranho.
A crise de representatividade e legitimidade do regime político diante da maioria da população, o verdadeiro centro da questão desde pelo menos 2013, é o que está em jogo (basta ver a série histórica das eleições e o aumento do número de votos nulo/brancos e não comparecimento como sintomas).

Quem mais ganha, num cenário de inexistência de oposição dos trabalhadores, com todas estas ações?
Quem se "reabilita"?

Conforme Bozo perde apoio nas pesquisas, os outrora afundados na lama governadores e congresso crescem. O STF, outrora negociador e que legitimou o golpe parlamentar em 2016, que aprovou o fim dos direitos trabalhistas e da aposentadoria com as reformas de 2017 pra cá, derrepente se tornando baluarte da defesa "da nação". O congresso, a exceção do centrão, junto dos governadores, são vendidos como "forças civilizatórias" diante da barbárie materializada pelo Bolsonaro.

O maniqueísmo é evidente e proposital. Existem forças políticas e econômicas, com os militares em destaque, que entendem a profundidade da crise economica e social que viemos tendo e que teremos, a maior da história, na próxima década.

Uma crise destas proporções coloca em risco a própria estabilidade institucional do país, pois torna cada vez mais claro as maiorias de trabalhadores que esta democracia é uma farsa.

A tragédia da reabertura diante da epidemia e a situação absolutamente miserável das condições de vida do peão (o índice oficial de desempregados saltou de 13 para 28 milhões de 3 meses para cá, com 40 milhões de informais, chegando a 68 milhões desempregados ou informais) tendem a jogar milhões de trabalhadores no caminho do choque com uma democracia que, detrás da igualdade formal de todos perante a lei, esconde a Desigualdade real de uma sociedade divida entre exploradores com direitos e explorados sem nenhum direito real, cujo papel é gerar montanhas de riqueza com seu trabalho, quando muito recebendo um salário muito inferior a esta riqueza gerada, que será sugada e apropriada por esta minoria.
Uma ditadura economica com maquiagem democrática mantida com vigilância digital total e repressão permanente aos bairros pobres e periféricos.

Neste cenário, faz toda a diferença que a "democracia" mostre sua "vitalidade" e puna aqueles já descartáveis, realizando a limpeza e mostrando seu caráter "civilizatório". Como se não fossem as mesmas forças que botaram bolsonaro onde esteve até cumprir todas as reformas exigidas pelo capital daqui e de fora.

Recompor a defesa desta democracia mentirosa e aumentar os índices de legitimidade das instituições diante das classes médias que ainda existem é fundamental pra segurar a onda de convulsões sociais que se avizinha. Dividir "impressões" em meio a crise.

A inexistência de uma ação independente dos trabalhadores, que deveria partir de lutar por condições de renda e existência para sobreviverem em isolamento na epidemia, é a grande carta que falta nesse baralho e, por não existir, permite a manipulação tão fluida e grotesca da realidade política, em benefício dos militares e empresários que, de 1979 para cá, nunca saíram do poder.

Do golpe institucional de 2016, passando pelas reformas (previdência e trabalhistas) que derrubaram o preço do trabalho no Brasil, até a reabilitação planejada das instituições burguesas (exército, congresso, senado e governadores, através da queima do fusível Bolsonaro) há um fio de continuidade muito nítido. Pensar com a cabeça do inimigo nós leva a concluir que esta é a linha mais benéfica a eles.

E tudo se passa com a colaboração voluntária da maioria da dita esquerda, com pouquíssimas vozes dissonantes.

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Notas sobre um genocídio anunciado



1 - No dia em que o Brasil, segundo dados oficiais,  acumula 38.700 mortos diretos por Covid e 747 mil infectados, no epicentro da epidemia em São Paulo, Dória e Covas realizam a reabertura do comércio, escritórios e, na quinta, dos shoppings. O país já ultrapassou os EUA e Reino Unido no número médio de casos diários, acumulando 7.197 mortes em 7 dias, com uma média de 1.028 por dia. Importantíssimo frisar que estes são dados oficiais. A subnotificação no Brasil é de cerca de 7 vezes mais casos do que os valores oficiais.

2 - A reabertura do comércio em geral e shoppings é resultado de um giro de 180 graus de Dória: Há umas semanas falava da possibilidade de “lockdown”, fechando tudo, o que mudou bruscamente anunciando um plano supostamente científico de reabertura chamado “Plano São Paulo”. Especialistas cientistas dos grupos COVID19 Brasil e Ação Covid19 afirmam que este plano não possui qualquer embasamento científico, que países que não possuem indicadores claros de achatamento da curva de casos (e o Brasil demonstra o contrário, mas o aumento do número) jamais poderiam pensar em reabrir e acabar com o isolamento. Segundo estes grupos, todo o esforço do isolamento (meia boca, diga-se de passagem) durante 3 meses pode ser perdido em UMA semana.

3 - As principais vítimas do Covi19 já são, há um bom tempo, aqueles que vivem nas franjas de SP e das grandes metrópoles. Ou seja, são os pobres, trabalhadores e periféricos que mais morrem A reabertura acontece dois dias antes do dia dos namorados, data comercial tradicional, provocando aglomerações, transportes lotados e, claro, a disseminação do vírus.
Sem nenhum obstáculo, o corona não tem limite para se espalhar: o “achatamento da curva” , ou seja, a estabilização e controle do número de casos e mortes, só é possível com isolamento social e testagem de milhões. Sem ele, não existe nada que vá estabilizar a situação e o vírus seguirá se espalhando até atingir todo humano que puder. Projeções já apontam que, seguindo esse ritmo, teremos mais de 5 mil mortos por dia no Brasil. Isso levará a morte de milhões, numa situação pior do que qualquer guerra recente.

4 - A prefeitura e o estado de SP dizem que a situação começa a “estabilizar” porque “o número de ocupação de leitos diminuiu”, mas esquecem, propositalmente, de dizer que o número de mortes em casa aumentou vertiginosamente.
O “plano São Paulo” é uma farsa e já é chamado pelos cientistas de plano de “abatedouro” de pobres e trabalhadores. A expressão clara de um genocídio e darwinismo social.

5 - Esta farsa é patrocinada e resultado da pressão dos setores empresariais, patrões e associações de patrões, lojistas, indústrias, shoppings e burgueses em geral. Para eles “economia é saúde”, ou seja, a sua saúde sacrificada é o que faz a economia deles ficar saudável. Desde o início, com objetivos eleitorais, Dória e os governadores mantiveram uma fachada demagógica de “seriedade”, se diferenciando de Bolsonaro para colher votos. Hoje, enfim, se rendem a quem realmente manda no negócio: o poder econômico, que exige que o povo volte ao trabalho, volte ao consumo e, assim, seja sacrificado para manter seus lucros. Sua aposta (desde o início da pandemia, vale notar)  é simples: no país acostumado a uma guerra civil e apartheid maquiados de pretos, pobres e trabalhadores, é possível maquiar dados e dar a impressão de que não há tantas mortes, mantendo assim, “a economia girando”

6 – Diante dessa, enfim, unificação de métodos de Bolsonaro e os governadores, vimos, na última semana, manifestações em reação a escalada (planejada) de tom de Bolsonaro. Em capitais do país, alguns milhares de pessoas compareceram a atos “Pela democracia e contra o racismo”, com bastante participação de jovens negros, ressoando a luta dos negros nos EUA contra a violência policial. Estes atos em SP, no entanto, encabeçados por setores da esquerda parlamentar e moderada, se transformaram, apesar da presença e energia valiosa de muitos presentes, em palanques para uma defesa abstrata da democracia. Defesa esta que, na linguagem eleitoral, significa pressionar por, no melhor dos casos, um impeachment que derrubaria Bolsonaro e traria novas eleições, onde se fariam as promessas de uma vida melhor.

7 – Como visto, no entanto, essa defesa da democracia é algo abstrato e que não toca a enorme maioria mais explorada dos trabalhadores. Porque sabem que a “igualdade formal de todos perante a lei” deste regime político tropeça todos os dias na desigualdade REAL, de uma sociedade dividida entre ricos burgueses que recebem democracia e direitos, de um lado, e pobres trabalhadores, cujos direitos de expressão, organização, manifestação, greve, são cotidianamente negados. Sabem que esta democracia é uma ditadura para os pobres e uma democracia apenas para os ricos e não existe igualdade entre explorados e exploradores.
Daí, após uma semana, as novas convocações para a continuidade destes atos estarem completamente minguadas, com pouquíssimos confirmados.

8 – As consequências econômicas e sanitárias da epidemia reorganizam todas as prioridades políticas e colocam um elefante no meio da sala. A esta esquerda que defende “democracia”, apagando o conteúdo de classe burguês desse regime político, o problema do regime está acima do problema da vida material desesperadora da enorme maioria.
Para eles não apenas seria mais “agudo” o problema do Governo federal, como a única forma de conseguir melhorias na” gestão da crise” seria com a queda de Bolsonaro e cia (algo inimaginável, no melhor dos casos, em menos de um ano e meio.). Se equivocam e as convocatórias fracas dos próximos atos provam isto.

9 – A enorme maioria dos trabalhadores, muitos dos quais nunca conseguiram fazer isolamento, se preocupam com sua sobrevivência num cenário de crise econômica e sanitária profundíssimos. Não partir destas necessidades não só não irá mover dezenas de milhares, com apoio de milhões, como irá seguir jogando o jogo da burguesia.
A essa maioria interessa a luta por TESTES aos milhões, PROIBIÇÃO de demissões, Salário Social digno, de no mínimo 2 mil reais, para manter o isolamento e isenção de contas e aluguéis.
Nossa luta deve ser a mais feroz por um isolamento social REAL para todos os trabalhadores!

10- Um movimento de trabalhadores, empregados, desempregados e informais, que colocasse esse programa de idéias a frente, realizando manifestações, ocupações, greves e ações tem o potencial de, ao mesmo tempo que coloca o interesse do peão como PROTAGONISTA na gestão da crise, arrastar dezenas ou centenas de milhares em todo país e derrubar qualquer governo e, assim, abrir caminho para pensar um projeto de poder dos trabalhadores contra esta democracia fajuta. É preciso, no entanto, dizer e dar exemplos de que esta luta é séria.
O debate, então, se torna um debate de estratégia. Também, por outro lado, deixa muito claro em que setores sociais (classe média e camadas superiores de trabalhadores com mais direitos) estão baseadas estas esquerdas que se recusam a priorizar esta luta.

11 – Estamos diante de uma encruzilhada histórica que, a cada dia, se torna mais perigosa. Ou agimos rápido e organizadamente, com uma política que mira o interesse e organiza a revolta da enorme maioria, mostrando como esta “democracia” burguesa, comandada por patrões, é a que nos trouxe a este genocídio anunciado de milhões, lutando algumas semanas com todos os métodos até arrancar a vitória ou passaremos meses e meses vendo cadáveres acumulando e mortes evitáveis de pobres, enquanto os que sobreviverem por sorte se afundam nas dívidas.
A maior central da América Latina, CUT, as organizações ditas socialistas, os sindicatos em geral, tem seu papel nesta questão da história. Semanas de guerra social ou meses/anos de luto e tragédia? De que lado ficarão na história do genocídio que a burguesia nos impõe? A história dirá.

terça-feira, 2 de junho de 2020

Sobre o ato "pela democracia". E o peão?

Sobre o ato "pela democracia" organizado pelas torcidas hoje:

É evidente que, conforme a crise política se torna mais aguda, o impulso a ação e a vontade de responder na prática os absurdos realizados pelo governo federal, Bolsonaro e cia, crescem.

Isto é, sem nenhuma dúvida, extremamente progressista, legítimo e ajuda na luta dos trabalhadores.

Mas toda a ação precisa, em geral, em qualquer momento e, mais ainda, em meio a uma epidemia, ter uma estratégia.
Em qualquer ação a pergunta "quem ganha e quem perde" é central e deve ser feita por qualquer um de nós, peões, assim como é feita por nossos inimigos, os magnatas, patrões e seus gerentes.

O ato de hoje contou com não mais que, chutando alto, 600 pessoas. Foi chamado em uma defesa "pela democracia", ou seja, em defesa deste regime político contra um suposto fascismo que a estaria ameaçando.

Existem interpretações das mais diversas sobre o que pode significar esta luta "pela democracia".
Na boca de PT é uma coisa, na do PCdoB é outra, na de Rodrigo Maia é ainda outra e na dos participantes do ato em SP, provavelmente outra e muito diversa, heterogênea.
Afinal, "democracia" é uma abstração.

Na semana em que João Pedro foi morto, com tiro pelas costas e após algumas semanas de um rapaz ser sequestrado e morto pela PM enquanto esperava a entrega de delivery na frente de sua comunidade em SP, ocorreu também o episódio do Burguês de Alphaville que, após agredir sua esposa, humilhou o PM chamado para atender o caso e disse que iria foder esse "PM de merda", porque ali não era "periferia não".

Veja, nesses episódios fica claro: existe liberdade de expressão, organização e até de cometer crimes sem grandes consequências nessa sociedade.
Para o rico burguês.
Para o pobre e, principalmente, o preto, a democracia oferece o destino de João Pedro a uma taxa de um morto a cada 23 minutos.

A democracia para o burguês é uma ditadura para o pobre. E essa taxa não surgiu agora, com bolsonaro, mas perdura há décadas no país, mesmo só nos governo ditos democráticos.

Nós estamos diante de um governo claramente com tendências autoritárias. Fato.
Mas o problema não é uma figura, Bolsonaro ou Mourão. O problema é que existem milhões de Bolsonaros e Mourãos, empresários, magnatas e aqueles de classe média semifalidos, que os sustentam. É uma luta de classes, com interesses opostos entre elas.

Isso fica claro desde antes da pandemia.
Reforma trabalhista acabou com empregos minimamente aceitáveis. Terceirização total precarizou milhões com baixos salários e longas jornadas. Hoje 57 milhões vivem desempregados ou na informalidade. Reforma da previdência ACABOU com a aposentadoria do pobre, com a maioria afetada que ganha até 2 mil reais.
O governo federal entregou 1,4 trilhões para bancos e outros tantos bilhões em isenções, junto dos governos estaduais, NA PRIMEIRA SEMANA DA EPIDEMIA para empresas. Pro peão, ainda não entregou nem a segunda parcela dos miseráveis 600 reais.

O que o peão está pensando nessa situação toda?
Que é preciso salvar a democracia?

Aqui embaixo, nós estamos pensando, desesperados, quatro coisas muito simples:
-  Sem ter renda ou emprego, como sobreviver sem pegar o vírus?
- Como saber quando isso vai acabar?
- Como pagar as contas que aumentam sem ter renda?
- (sendo obrigado a trabalhar em algo não essencial) Como não perder este emprego?

São interesses legitimos, concretos e materiais que podem e precisam ser respondidos (e não são por ninguém) em palavras e ação:
- Salário pago para todo trabalhador não essencial (tirem dos lucros das empresas e do que devem ao Estado)
- Proibição de demissões
- isenção de cobrança de luz, água e gás aos trabalhadores.
- testagem em massa para saber o estado da epidemia e projetar seu fim.

Porque estou dizendo isso?
Porque como disse, temos de sempre perguntar quem "ganha e quem perde" e, ainda mais agora, qualquer ação direta precisa ter estratégia.

E qual é o objetivo desta estratégia? Para nós só pode ser salvar vidas e arrancar conquistas que interessam a vida dos trabalhadores.

Na boca de PT e cia, a "defesa da democracia" significa nada mais nada menos que eleições, ou "voltar a fábula do paraíso na terra dos governos petistas". No melhor dos casos "impeachment e eleições gerais" pra venderam seu peixe e voltarem ao poder. Uma vez lá, vão vender a mesma ladainha de que "tudo vai melhorar gradualmente" "por dentro do Estado" e através dos programas do governo.

Esse oportunismo não só ignora que o problema não é uma pessoa, Bolsonaro, mas toda uma classe burguesa que existe e vai seguir existindo, que, ainda hoje, em sua maioria, o sustenta.

Neste ato, é óbvio, nem todos compartilham desta visão.
De nenhuma maneira deve se dizer que é um ato meramente petista ou que os que ali estão são irresponsáveis. Muitos estão tentando lutar da forma que pensam ser melhor. E é nesse sentido que a crítica pode deve lhes fazer pensar. Para evitar que sejam ações usadas e funcionais justamente a está linha petista, pdtista, enfim, oportunista e que não resolve nada pro peão.

Milhares ou centenas de milhares de trabalhadores não vão sair as ruas para defender "a democracia". Essa democracia, inclusive, em minha opinião não vai se fechar ou cair, fechando congresso e STF. Nenhum setor dominante da burguesia ganharia nada com isto.

Esse regime político já deu lugar a uma forma mais deformada de si próprio, onde os peões serão vigiados por programas do governo na internet (projetos já em tramitação na camara), organizações tipificadas como terroristas e não haverá espaço, sem luta, para nenhuma esquerda que não seja domesticada.
Tudo isso mantendo a fachada de democracias e eleição (fraudadas com fakenews e disparos de whats, etc), como na Bolívia, Honduras e como tentaram na Venezuela.

Nesse sentido, organizar ações com essa bandeira, não só não atrai a massa de trabalhadores como municia os inimigos burgueses e bolsonaristas a isolar estas manifestações ("democracia? Olha lá os esquerdistas xaropes espalhando vírus por nada, pra defender o PT").

Da mesma forma, a própria disseminação da doença pode se dar em nossos atos. Se faremos isto, nos arriscarmos nessa situação, não pode ser por um motivo e bandeira equivocados.
Quem ganha?

Agora, imaginemos um movimento nacional por salário para manter o isolamento, testes aos milhões para entender a epidemia e proibição de demissões.

Atos que comecem assim, com 500, indo pra mil, dois mil, 5 mil. Exigindo aquilo que interessa e é uma exigência MÍNIMA dos trabalhadores, que não aceitam que o lucro esteja acima da vida.

Me parece que não apenas poderia ganhar milhões em apoio geral na sociedade como, colocando o peão no protagonismo, arrastaria categorias a greves, arrancaria direitos e, aí sim, desestabilizaria o governo, abrindo caminho pra vitórias históricas e por uma democracia real,ndos trabalhadores.
A burguesia está convencida de que pode deixar o povo morrer e esconder os dados. Ao se negar a atender estas exigências, isso ficaria mais claro ainda, o próprio conteúdo falso e burguês desse regime "democrático". Não existe igualdade. Existem classes.
Quem ganha?

Não se trata de dizer "fiquem em casa".
Se trata de dizer: "Vamos pra rua, mas vamos sair pra vencer".

Um passo nesse sentido, além de dar protagonismo para o povo trabalhador, traria participação de milhares e apoio de milhões, como a defesa dessa abstração de "democracia", que qualquer peão sabe que não existe na realidade, jamais poderá fazer.
Por isto vale a pena lutar e se arriscar em uma epidemia.

Antifascista sem ser contra o capitalismo?

É descolamento total da classe trabalhadora dizer que não existe a resposta pra esta crise. Ela está na cara. Pra mim, que estou nessa situação, é óbvio.

As pessoas estão morrendo feito moscas. Nós somos o país MAIS AFETADO pelo corona vírus. Em número de casos e de mortos. A burguesia, os governadores e Bolsonaro estão todos pressionando para abrir tudo novamente, sem teste e maquiando o número de mortes.
Não existe emprego. Quem trabalha obrigado está morrendo de medo de perder ou de pegar o vírus. Não existe salário social algum.
Entende? Isso tudo é obra de anos e anos (e mais ainda agora) da DEMOCRACIA BURGUESA.
Não existe fascismo instalado no país! Prestem atenção na realidade!
Isso é puro, puríssimo discurso oportunista liberal, plantando medo, pra colher votos. Plantando uma "cena" antifascista pra arrastar todo mundo para eleições.
Primeiro vota, depois vive.
Na cabeça destes liberais de esquerda e de direita, vermelhos e azuis, no melhor dos casos derrubam Bolsonaro daqui um ano e disputam eleições pra talvez ganhar; no pior dos casos aumentem a base eleitoral para as eleições de 2021/22, com alguma vantagem sob Bolsonaro, ainda no poder.
Não existe nada além disso. E o peão NÃO VAI sair pra se arriscar por nada, por esse discurso fajuto de "defesa da democracia".

Vcs acham que PARAISÓPOLIS vai sair em defesa dela? A família de João Pedro? De Amarildo?

Se existe alguma coisa que pode meter peão em greve, na rua, em atos e abrir caminho é pra conquistar suas necessidades imediatas (salário social digno, teste, isenção de contas e proibição de empregos). Daí se abre o a trilha pra ir além, numa perspectiva de organização social diferente e dos trabalhadores.

Não ver isto é querer agir da mesma forma de sempre e esperar resultados diferentes. Loucura.
Achar que indo num ato em meio a uma epidemia, com uma faixa e um panfleto vai mudar o conteúdo dessa manobra liberal e faze-la deixar de ser por "democracia" ou seja, pra eleger outro explorador "do bem".

Enquanto isso, o que? Pisamos por cima dos corpos nas ruas, cemitérios e hospitais? Onde é que está a mais mínima consciência de classe?

Os patrões exigem: sacrifício do peão.

Um vírus deu a volta ao mundo, passou por cada canto do planeta e chegou ao Brasil.
Deu de frente com suas particularidades economicas, políticas e sociais, absurdas. Se fundiu a pobreza, miséria, falta de condições sanitárias, de trabalho, de renda. Passou a levar em taxa muito mais elevada as vidas dos debaixo, apesar de ter sido trazido pelos de cima.

Os poucos milhões que compõe a alta pequenaburguesia e a burguesia se trancaram em seus condomínios e fazendas isoladas.
De seus abrigos fortificados, junto dos governos federal e estaduais nos quais mandam não entregam nada ao povo.
Sem salários, sem testes, cobrando contas, demitindo em massa.

Obrigam os trabalhadores a escolher entre o vírus ou a fome. Mandam abrir tudo, em meio ao impacto mais destrutivo da epidemia, no mundo. 30 mil mortos, 400 mil infectados oficialmente. Faça tudo isso vezes 10 ou 15 e chegará ao número real.

No país em que 6 bilionários ganham mais do que 100 milhões de pessoas, os patrões exigem sacrifício em praça pública de peão através da infecção generalizada. Tudo para manter "a economia", as margens de lucro.

Confiam que a guerra civil maquiada, contra os trabalhadores e pobres, que todos os anos mata 60 mil, já acostumou a massa a aceitar 1200 mortos por Covid19 por dia (e aumentando).

Essa é a cara da Burguesia brasileira. Está é a cara dos políticos liberais em todos níveis do governo burguês.

Uma classe de privilegiados sanguessugas do povo, assassina, cujas propriedades são lavadas em sangue dos pobres. São genocidas, eugenicos e darwinistas sociais.

E é nesse cenário no qual estamos e estaremos pelos próximos meses e anos, até amadurecermos uma visão independente dos trabalhadores.
Uma que entenda que essa democracia burguesa já é, e sempre foi uma ditadura contra os pobres, um regime eleitoral maquiando a exploração e dominação econômica.