quarta-feira, 17 de março de 2021

O que mais é preciso pra percebermos que isso é uma GUERRA?

 


O que mais é preciso pra percebermos que isso é uma GUERRA?

Vasculho mentalmente as opções de como começar um texto em meio a esta situação. O esforço, excruciante, é totalmente em vão.

Me somo a triste turba de colegas e amigos que já não conseguem nem acompanhar os jornais, nem pensar em outra coisa.

Por vezes 3000 mortos por dia, noutras os recordes de 649 pessoas mortas em SP, ainda outra a taxa de uma morte a cada 2 minutos nesta cidade. Informações rodopiantes que pressionam o peito e engolem qualquer traço de esperança que possa surgir num futuro "estável" nestas terras.

Abrir os jornais é para tanto dar de cara com este absurdo, quanto uma fonte de surrealidade diária.

É absolutamente desconcertante assistir as declarações destes asnos vestidos de generais ou do criminoso presidencial. Ao mesmo tempo, é repugnante a vagarosidade incompreensível, a lerdeza, a pompa e etiqueta enjoativas, com que a mídia patronal de Globo, CNN, record e afins discutem os "equívocos" presidenciais e os "excessos da classe política".

Como se o ritmo da epidemia fosse um detalhe e não estivéssemos num país cujos hospitais NÃO TEM MAIS VAGA, colapsaram. Como se os enredos pessoais no Brasil não estivessem sendo encerrados a taxas de 3 mil por dia. Como se 10 aviões boiengs ou 250 boates Kiss não estivessem ocorrendo todos os dias. A vida, já sem muito sentido intrínseco, inerente, em si mesmo, deixou de ter qualquer significado. Virou uma ocorrência, um acidente, que “se eu tenho, tô no lucro”.

Não há outro nome para isto. E eu já cansei de dizer qual é. Guerra, luta de classes, genocídio, tudo isso contempla mas não expressa o sentimento.
A classe dominante de nossos tempos, os patrões, não é uma classe uniforme, homogênea. Ela (ou melhor, suas frações) se unifica, com todas as disputas que existem entre si, quando tem de enganar aqueles que domina. As duas ferramentas que ela tem são a enganação ou a repressão. Hoje, combina as duas.

Mantém a peãozada no cabresto dos transportes lotados e mantém TUDO aberto (veja que fabricas, telemarketings, todo tipo de estabelecimento produtivo segue aberto, mesmo na tal "fase vermelha"). Se não trabalhar, não come. Entenda: se não trabalhar MESMO QUE POSSA SE INFECTAR, não permito sua existência. E assim a turba caminha feito gado para o abate.

Se passar fome e decidir agir nas brechas, furtar, roubar ou vender mercadorias ilegais, já sabe: a segunda mão entra em cena. Repressão, prisão forjada, assassinato, espancamento. A vida vale pouquíssimo, em geral, por aqui. Menos ainda agora. Se não te matarem nas voltinhas dadas no camburão da Blazer, tossem na tua cara pra você morrer na tranca. 40% dos presos nem julgados foi no Brasil. Entende? Ser preso, hoje, é também pena de morte.

Como consolo aos "bons cordeiros da sociedade" mostram seu olhar paternal responsável e proclamam suas "restrições" mentirosas e farsescas, pensadas pra passar uma sensação de segurança e controle, não servem de nada. Fase vermelha. Igreja, culto, role, festa clandestina, fábricas, transporte lotado, tudo aberto das 5h as 20h. O covid, respeitoso respeitador natural das regras sociais humanas, aguarda e espreita para começar seu massacre após tal poderosa restrição.

O mundo natural e o Covid estão, desde março de 2020 na ofensiva, se adaptando, ficando mais letal e transmissível, pouco se importando com as disputas mundanas e de classe entre os humanos. Nestas, ainda temos de viver com a desesperança insuportável de uma disputa entre o genocida gourmet e o genocida tiozão de boteco.

Uns falando contra máscara e vacina, outros sorrindo debaixo de sua máscara enquanto mandam batalhões e batalhões de trabalhadores, aos milhares, se aglomerarem pelo sacrifício ao deus Lucro($). Por detrás, o que lhes importa? Quem vai governar sob a pilha de ossos daqui 2 anos, em 2023. Essa é a verdade sobre Dória e Bolsonaro.

A esta altura, qualquer um, já aturdido, pediria por uma pausa no texto pra, quem sabe, olhar uma luz no fim do túnel.

É triste pensar nossa atual situação pelos olhos da história. Nossa colonização já começou como um empreendimento comercial, uma enorme empresa agrícola colonial voltada para proteger as novas posses portuguesas e ajudar a sua nascente burguesia, fundida a aristocracia, em sua disputa com os holandeses.

Por aqui o problema do povoamento sempre esteve ligado ao problema da mão de obra. Uma vez esgotadas as fontes nativas, por outro genocídio de proporções similares, se resolveu o problema com o sequestro de pretos africanos por 3 séculos. Como a produtividade do trabalho se impunha de maneira tirânica e o capitalismo chegava a sua fase de expansão mundial, o trabalho negro compulsório era substituído pelo semi-compulsório e, mais a frente, pelo de pobres trabalhadores de origem européia.

Essa herança cultural, histórica e social, deixou marcas profundas, vistas na enorme violência de classe cometida contra os pobres e trabalhadores. O sinhô virou sinhô patrão, nos diria Graciliano Ramos. E essa posição, mantida por séculos, maquiada e reforçada, tem raízes psicológicas profundas. Não é coincidência o culto a ascensão social e mobilidade através da ideia farsesca de meritocracia. Não é acaso o culto ao patrão, a defesa selvagem da propriedade, o individualismo e enorme agressividade em busca “do lugar ao sol” nestas terras. As ideias dominantes são as ideias da classe dominante.

E esta nossa classe dominante, com as transformações que teve ao longo dos séculos, nas idas e vindas da luta de classes, com as quais aprendeu, manteve bem as bases de suas ideias.
Também por isto não é de se espantar que hoje lidemos com movimentos antivacinas, atos contra lockdown, empresários falando que “o povo deve se sacrificar pela economia (deles)”. São as ideias que dominam.

De onde se esperaria uma saída, da ilustre e auto-definida “esquerda”, não se vê nada. A história dos respiros recentes dos trabalhadores também não é muito animadora. Veja, não é que não tenham existido ações de milhares, de massas, coletivas. Existiram. No entanto, a história destes levantamentos se deu sempre por dentro das margens estreitas desta tradição de dominação.

 Todos os grandes respiros de trabalhadores se deram ao redor de figuras messiânicas, quase (quando não diretamente) religiosas, incorporando a ideia de que guiariam as massas despossuídas a sua redenção e melhoria gradual da vida. Prestes, o trabalhismo de Jango, o PT e Lula. Isso sem mencionar Getúlio Vargas que, sendo o provável pai desta construção, não tinha a intenção de dar nenhum respiro, mas organizar o cortejo: domesticar a revolta popular e fazê-la rodar nos trilhos da ordem.

E todas, sem exceção, conduziram a traição e posterior piora de vida das massas trabalhadoras. O PCB e o trabalhismo traíram aceitando, sem luta, a ditadura, o PT e Lula pactuaram com os generais e entraram nesta democracia fajuta e, uma vez nela, governaram com os herdeiros diretos (Paulo Maluf, PP (onde Bolsonaro esteve durante todo o governo Lula), PMDB, todo tipo de fisiológico do centrão, depois, Joaquin Levy, Bradesco, Itaú, etc, etc).

Hoje, lendo o jornal, vejo na matéria ao lado que o centro do debate político é a Vendetta de Lula contra Moro e sua “habilidade única” de articular aliados para 2022. Um deles, leio atônito, Delfim Netto, o ministro da Ditadura Militar, que, sendo um vaso tão ruim, nem na epidemia quebra. Pt e PCdoB, grande parte da "esquerda" brasileira e comandantes de duas das maiores centrais sindicais do País, CUT e CTB, agitam, não as fábricas e empresas com greves, mas redes sociais, com memes. PSOL se apressa a dizer que é “lulalá” em 2022 e que, até lá, “vamos resistir”. Ciro balbucia algum egocentrismo. O centrão se esparrama em verbas. O STF se lambuza em nuttela e permite aos militares e Bolsonaro seu teatro. Vacinação 10 vezes mais lenta do que necessário. Vírus mais letal. A primeira ou segunda maior cidade da América latina COLAPSADA, vendo seus mortos aglomerados em contêineres.

Sinto uma pontada no estômago. Qualquer sintoma que tenho me vem a enxurrada de matérias na cabeça. Me transporto mentalmente para um leito de UTI. Ora como médico, ora como paciente. Sinto o impulso de ver o oxímetro, de medir a temperatura. Está tudo bem.

Mas não está tudo bem. Um país que aceita 3 mil (de novo: TRÊS MIL)[DE NOVO: TRÊS MIL PESSOAS, DEZENAS DE MILHARES DE HISTÓRIAS APAGADAS POR DIA(!!!!!)] sem revolta, sem alarde, sem fúria, não está NADA bem. Uma sociedade que aceita ser massacrada deste modo, é doente.

Mais precisamente, NÓS trabalhadores que aceitamos que nossas organizações e representantes tenham a INDECÊNCIA de falar em votos nessa situação; que tenham a postura ARQUEROSA de dedicar esforços pra fazer teatro no parlamento ao invés de lutar COM TUDO POR UM LOCKDOWN, que seja mantido CONFISCANDO dinheiro que EXISTE nos lucros dos Bancos e das empresas; estão PROFUNDAMENTE doentes, entorpecidos, abatidos e desconectados da própria realidade.

O Brasil não é só inovador no mundo natural, formando novas variantes letais de Coronavirus.

No plano Social o Brasil apresenta ao planeta e à História suas mais tenebrosas criações: No lugar da luta de classes, o MASSACRE DE CLASSE e a Reificação absoluta.

Queria ter algo mais gritante e expressivo do que um Caps Lock. Não tenho. E menos ainda um final textual de mais impacto. Se assim o quiser, faça como eu: Leia os jornais.

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