quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Brasil em mutação e a crise estrutural da esquerda


Trevas tomaram, literalmente, conta da cidade de São Paulo, o maior centro financeiro da América do sul, neste dia 19/08.

Confusos, os paulistanos se espantaram com o encontro entre a caricatura e a realidade resultante do completo descalabro bolsonarista.
Uma onda de queimadas, graças a liberação de Bolsonaro para mais de 500 autorizações de desmatamento, gerou uma nuvem de fumaça que tomou a cidade de São Paulo vinda das regiões do Pará, Bolívia, Paraguai e centro oeste, se espalhando pelo sudeste e nos dando uma prévia de como seria um inverno nuclear.

Inverno que se assenta, por sinal, em todos os campos da vida brasileira, seja político, social, econômico, ambiental ou moral.

Em 8 meses de governo, se estrutura progressivamente, baseado no já anunciado autoritarismo e violência característicos de Bolsonaro, o movimento das peças do movimento de extrema direita do Bolsonarismo, rumo a uma mutação profunda do regime político e das relações sociais e econômicas no Brasil.

Herdeiro, antes, de 1979 e da impunidade dos torturadores e, depois, do impeachment golpista de 2016, apoiado no desvio das energias de questionamento de 2013, Bolsonaro, outrora um insólito deputado fascista, apoiador da ditadura, cuja principal função era fazer eco as vozes do abismo moral e da latrina autoritária, conseguiu se alçar a capitão da guerra social contra os pobres e trabalhadores.

Sua eleição, surfando a enorme crise de representatividade e legitimidade das instituições, aprofundada pelas famílias que controlam a mídia burguesa, foi uma surpresa que, quando se tornou a única alternativa, foi abraçada por todo o grupo de magnatas, estrangeiros imperialistas, latifundiários, especuladores e rentistas.

Para tanto, o azeite das fake News, o esquema milionário de disparo destas pelo Whatsapp, o exército de robôs, a prisão do principal – e favorito - adversário (devidamente recompensada com o cargo de ministro da justiça para o Gangster travestido de juiz: Moro), a flagrantemente falsa facada e seu esquema de acobertamento, que lhe permitiram explorar a comoção popular para vencer sem apresentar propostas ou ir a debates, se fez necessário.

Eis agora, então, que a nau tupiniquim é (des)governada por um candidato que pregou o assassinato de 30 mil “comunistas” – que, diga-se de passagem, pode ser qualquer um que não concorde com ele -, é racista, homofóbico, inimigo dos direitos ambientais, dos povos originários, defende a tortura e tripudia da própria realidade.

Nas cabines da embarcação se encontra a mais pura nata do obscurantismo.

Guiados pelo guru da escatologia Olavo de Carvalho, a ala “Olavista” é dirigida por Jair e seu filho não menos estúpido e escatológico, Carluxo, tendo, além de distribuídas por numerosos cargos de administração pelas estatais ou no  congresso nacional, como figuras de primeiro escalão terraplanistas e alucinados macartistas como Ernesto Araújo, para quem o mundo é dominado por uma conspiração de comunistas e Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente processado por crime ambiental, para quem o aquecimento global não existe.

Seguidos de perto, está a ala dos subservientes, porém ambiciosos membros do judiciário/ministério público que, em choque de ambições com o STF, realiza o serviço sujo da limpeza da lambança bolsonarista nas cabines.

Moro, político de quinta financiado pelos Estados Unidos, outrora travestido de juiz, acompanhado de Dallagnol e sua patota, prestou indispensáveis serviços a Bolsonaro, primeiro lhe permitindo a eleição sem adversário, graças a prisão, sem provas, do candidato do PT - fato, também, legitimado pelo STF - , depois lhe auxiliando no acobertamento de suas relações evidentes com os paramilitares das milícias do RJ.

Queiroz, aquele que depositou dez cheques, totalizando 40 mil reais, na conta da esposa de Bolsonaro foi, assim como Flávio Bolsonaro, filho do fascínora e patrão de Queiroz que, por sua vez, recebeu 48 cheques de 3 mil reais em sua conta, passou despercebido pelos “olhos de águia” do justiceiro Moro.
Da mesma forma, foram ignoradas pelo paladino da justiça as ligações da família Bolsonaro com o grupo que assassinou a vereadora carioca Marielle, o “escritório do crime”, cujo chefe tinha mãe e esposa trabalhando no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Ali, de perto, como nunca desde a redemocratização, se encontra a ala dos militares, hoje, linha dura e entreguista ao mesmo tempo, comandada por Mourão, o vice, defensor da afirmação racista de “melhoramento da raça”, Augusto Heleno, o fascista comandante dos estupros e assassinatos travestidos de missão de paz no Haiti e Villas Boas, o comandante moribundo que ameaçou intervir militarmente caso Lula fosse solto.
Juntos, estes atores parecem atuar nas rebarbas do bolsonarismo, esperando oportunidades de aprofundar seu controle político direto, enquanto deixam as demais alas se desgastarem e servem de garantia “material” para a entrega do petróleo, tecnologia, terras, minérios e todos ataques.

A última fronteira das ilusões - ou o porteiro das cabines -, o STF, esse tribunal de iluminados de cargo vitalício, que não possuem qualquer controle social e nem são eleitos, trata de legitimar, acovardado diante da “política real” feita a bala e assassinatos - Teori Zavascki que o diga - toda a lambança feita pelas demais alas.

No final, é claro, se tratava disto: impor um profundo ataque histórico contra a maioria do povo e os trabalhadores brasileiros.
Diante de uma crise mundial que não dá trégua e, assim, de um enfrentamento entre duas potências em choque - EUA e CHINA-, relega-se ao Brasil a condição de semicolônia plena, exportadora de produtos primários, agropecuários, minerais, e consumidora dos industrializados das grandes potências capitalistas.

Qualquer lampejo de soberania que poderia existir e, com ela, a industrialização, foi jogada no lixo: mais de 3 mil industrias fecharam as portas nos últimos 3 anos, o desemprego bate a casa dos 14 milhões, o subemprego chega aos 32 milhões, quase metade (43%) da população trabalhadora é informal, ou seja, não tem qualquer garantia trabalhista, a extrema pobreza aumenta, o sarampo retorna, segue-se entregando metade do orçamento para pagar juros da dívida pública num esquema fraudulento dos Bancos, enfim, o caos se estabelece.

A reforma trabalhista, vendida como “forma de trazer mais empregos” destroçou a classe trabalhadora brasileira, enfraqueceu decisivamente os sindicatos, jogou milhões no desemprego, impôs a terceirização, piores salários, calou as reclamações judiciais dos trabalhadores, ameaçando-os com os custos dos processos contra seus patrões, acabou com a CLT abrindo margem para que o “negociado” fique acima da lei e se aprofunda com a atual “minirreforma” que, inclusive, permite o trabalho aos feriados e domingos sem hora extra.

A este descalabro se soma o ataque histórico da Reforma da Previdência que, na realidade, acabou com a aposentadoria para os trabalhadores do país, exigindo 40 anos de contribuição e idade mínima de 65 anos para uma população pobre que, além de viver de empregos altamente rotativos por vezes nem a essa idade chega.

Assim, o preço do trabalho diminui, a exploração da “mais valia” se amplia, já que se trabalha mais anos, por mais dias na semana recebendo menos e a capacidade de resistência dos trabalhadores diminui. Este é o objetivo da burguesia estrangeira – em primeiro lugar a estadunidense - e do consórcio burguês brasileiro que vê a crise e se prepara, esfolando o trabalhador, para manter seus lucros e privilégios durante a tempestade.

Em andamento, a guerra social segue enquadrando as massas trabalhadoras num cenário em que não existe melhora a vista. Os preços dos bens primários (commodities) não anunciam subir, o mundo desacelera, a economia piora, as famílias seguem endividadas, os preços sobem, a vida se encarece, a criminalidade explode, o encarceramento e guerra hipócrita as drogas se ampliam, a violência policial se liberta de amarras, lideranças da cidade e do campo são presas e mortas impunemente, assassinatos crescem chegando a casa dos 67 mil, enfim, uma verdadeira guerra civil de baixa intensidade se impõe, com um fechamento do regime político avançando.

Hoje, no “bonapartismo multicéfalo” em que vivemos, as cabeças da Hidra Bolsonarista se mordem, como que buscando uma forma hegemônica que lhes permita estabilidade para comer o prato principal, ou seja, nós.

Nesse cenário, resta responsabilidade enorme as forças de oposição ao Bolsonarismo , particularmente aquelas que se reivindicam de esquerda e/ou revolucionárias.
A crise da república de 88 encontra seu correlato na crise estrutural da esquerda brasileira. E a situação não parece se contornar, nem facilmente, nem a tempo.

Um esquerda confusa e em frangalhos

O ponto de partida para refletir a condição de nossa esquerda é a sua própria definição.
É comum se definir como “esquerda” qualquer agrupamento que venha do PDT, passe pelo PT, siga pelo PSOL e PSTU e vá a esquerda pelas organizações sem legalidade. Esta definição, confusa e que não corresponde a nenhuma análise séria, sociológica ou política, corresponde a um processo social ainda em curso.

Os milhões de trabalhadores e pobres do Brasil não realizaram, ainda, até o fim, sua experiência política com muitos dos partidos que hoje se reivindicam como representantes da esquerda. Não é raro se ver reclamações sobre a fragmentação e divisões internas, como se o motivo para estas fossem algo ou obscuro ou mesquinho. Nada mais distante da realidade que, dia a dia, passa a se demonstrar a olhos nus.

Em 2013, este marco da abertura da luta de classes aguda brasileira, se deu um levantamento espontâneo de milhões em todas as principais capitais. Naquele momento, PT e PCdoB eram governo e, não raramente, se distanciavam voluntariamente da definição de partidos de esquerda, tendo, inclusive, críticas e ações violentas contra as organizações que se apresentavam a sua esquerda, como PSOL, PSTU e demais.

Sabiamente, o consórcio burguês e as mídias a seu serviço, souberam explorar o descontentamento surgido pela desigualdade e encarecimento da vida decorrentes da administração capitalista e conciliação com patrões, marca dos governos PTistas.
Todo o processo se desenrolou, com a Copa do mundo, sua exploração dos trabalhadores e militarização das cidades sede, os verde-amarelos nas ruas e, enfim ,o famigerado Impeachment.

De lá para cá, a direção do PT, empenhada em emplacar uma narrativa vitimista, que apaga que os mesmos que deram impeachment eram os que estavam sob suas asas com poder decisório no governo (como é o caso do MDB de Temer) e que foi a própria Dilma quem iniciou a austeridade econômica, cortes na educação e colocou o homem dos bancos, Joaquin Levy (ironicamente, ex-presidente do BNDES do governo Bolsonaro) no Ministério da Economia, atua baseando-se numa estratégia de duas vias.

Com a prisão de Lula, por um lado, realiza um teatro parlamentar, cheio de imagens, performances e discursos inflamados, para manter o controle do espectro difuso “de esquerda”, fundamentalmente inofensivo dado que são minoria parlamentar; por outro, no terreno das lutas estudantis, de trabalhadores, no campo, mantém silêncio mais sepulcral, primeiro traindo a greve geral em 2017 contra a reforma trabalhista e deixando-a passar sob Temer, para, agora, trair milhões ao aceitar, sem nenhuma luta , a reforma da previdência.

Dirão que fizeram muito no dia 15 de maio (manifestações contra cortes na educação) e mais ainda no dia 14 de junho (suposta greve geral).
Que na primeira data o PT, que dirige a maior central sindical do país, a CUT, tenha impedido que os estudantes e professores usassem o dia para se unir aos demais trabalhadores de outras categorias e que no dia 14, na prática, fosse feito uma encenação de greve, com quase nenhuma categoria importante parando (em SP apenas os metroviários realizaram uma participação parcial), esquecem.

Seguidos de perto pelos pseudocomunistas do PCdoB, o PT, além de trair tais greves e não mover um dedo para organizar os desempregados, os trabalhadores informais, intermitentes, terceirizados, também ajudou Rodrigo Maia, o “Botafogo” da Odebretch, aprovador das reformas e sustentáculo de Bolsonaro, a se eleger presidente da Câmara: Toda a bancada do PCdoB votou em Maia e metade do PT também. Igualmente, enquanto o teatro parlamentar se fazia contra a reforma da previdência, os governadores do PT e desta pseudo-oposição, acertavam com Bolsonaro a implementação da reforma em seus estados no nordeste.
Um verdadeiro jogo duplo!

Desse modo, PT e PCdoB, nem se fale o PDT, um partido burguês comandado por coronéis e que tinha o gangster Paulinho da Força Sindical como presidente até alguns anos, não podem ser definidos como organizações de esquerda.
São partidos que degeneraram e se enquadrariam no máximo na definição de centro ou centro esquerda e que, do ponto de vista da política, são “sociais liberais”, ou seja, implementam a política capitalista liberal, com pequenos acenos sociais para manter uma base de trabalhadores iludidos.

Seu único objetivo é ver Bolsonaro “sangrar” pra colherem frutos eleitorais nas próximas eleições de 2022 que, esperam, ocorrerá caso não surja um golpe clássico no caminho.
Não há qualquer saída “de esquerda” e menos ainda revolucionária que passe pelo PT; pelo contrário, qualquer avanço nesse sentido se dará contra esta direção e resta aos que assim esperam ali, romperem com tal partido.

Mais a esquerda, se encontram agrupações como o PSOL, que, tendo sua origem na ruptura com o PT pela reforma da previdência que este realizou em 2003, retorna a casa de cabeça baixa e, infelizmente, aprofunda seu papel de linha auxiliar.

Este, que em todo este processo não conseguiu ser mais do que sempre foi, ou seja, não um partido, mas um “guarda chuvas” político com dezenas de correntes internas, cada uma com uma política distinta, avança a passos largos para abandonar qualquer perspectiva revolucionária.
Isso se vê tanto em seu programa, liberal e sem nenhuma proposta que aponte num sentido realmente socialista (a despeito de seu nome socialismo e liberdade) apresentado nas últimas eleições, quanto em sua prática e sua composição social, se apresentando como um grupo da “classe média radical esclarecida”, disposta a “respeitar as regras do jogo” e, no máximo propor uma sociedade, esta sim utópica, de um capitalismo humanizado, com a “civilização dos bancos” e a velha conciliação entre pobres e ricos.

Até mesmo seu funcionamento interno se assemelha a mais um partido qualquer, como demonstram as denúncias de fraude na eleição de delegados de seu último congresso e a indicação escandalosa de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato a presidência por fora das decisões partidárias, aparecendo como “fato consumado” apenas a uma plenária, sendo que nem do partido era quando articularam.
Tal fato corrobora a tendência de linha auxiliar do PT, vide que a campanha de Boulos foi a pior da história do PSOL, com apenas 600 mil votos (comparados aos 1,5 milhões de Luciana Genro em 2014) e aproximou o PSOL totalmente da narrativa PTista de defesa de Lula e da abstrata “democracia”, retirando qualquer “cara própria” do partido e possibilidade de se colocar como alternativa ao PT.

Que tenham sofrido o repudiável e asqueroso ataque a vida de Marielle, sem sequer exigirem que a investigação fosse independente da polícia e do Estado, por uma comissão de especialistas internacionais ou algo que o valha, diz muito sobre as atuais ilusões dominantes nas concepções dos PSOListas. Assim, a adaptação ao parlamento e as regras que nem mesmo a classe dominante respeita é, hoje, completa, no PSOL. O horizonte socialista, outrora já distante, sumiu de vez.

A esquerda destes se encontra o PSTU - cuja ruptura recente, em 2016, deu origem a uma das alas da direita do PSOL - além de uma constelação de pequenos agrupamentos sem legalidade.

Em comum com estes, o PSTU demonstra o “propagandismo” socialista abstrato, característico de organizações que não tem ligação com a vida cotidiana dos trabalhadores, sendo que, se diferencia pela adaptação aos pequenos espaços sindicais em que ainda tem alguma presença.
Em termos de política, seguem até hoje com sua absurda defesa de que o impeachment foi algo positivo e, mesmo diante da realidade, se negam a enxergar que este não foi fruto da luta dos trabalhadores, mas de uma manobra dos patrões.

Algo coerente com sua visão “objetivista” e absurda de estratégia revolucionária: qualquer movimento que tenha participação das massas vai levar a mais luta, mais vitórias e, assim a revolução; basta aos revolucionários surfar este movimento. O pecado original da chamada “escola morenista” do comunismo cobrou seu preço em 800 militantes que abandonaram um projeto revolucionário e foram para o PSOL.

Se o PSOL se adapta ao Estado Burguês e a ilusão na democracia (que para os pobres, negros e trabalhadores é uma ditadura) pela via do parlamento, o PSTU o faz pela via dos sindicatos e da burocratização nestes.

Dirigentes sindicais mais preocupados com os acordos e a matemática de apoio nas próximas eleições de seus pequenos sindicatos, com os privilégios que vem destes cargos (liberações do trabalho, status, verbas,  etc), ao mesmo tempo em que escrevem textos abstratos para seus jornais sobre “erguer uma rebelião socialista”, “estatizar os bancos e grandes empresas”, “parar de pagar a dívida pública”, não fazem nada diante de ataques onde dirigem, não denunciam o PT e as burocracias sindicais da CUT , CTB e, pelo contrário, posam ao lado destes como se não se tratassem de inimigos infiltrados entre nós.

Exemplos definitivos se observam na contradição: enquanto faziam este discurso “vermelho” nas eleições de 2018, no Metrô de SP, onde o PSTU dirige o sindicato harmoniosamente com o PCdoB, mais de 80 funcionários eram demitidos (dentre eles o que vos escreve) por Dória, avançando na privatização, sem nem sequer uma assembleia, um panfleto, uma atividade ser chamada para se lutar contra.

O mesmo se vê na GM de São José dos Campos, onde o PSTU é direção há mais de 30 anos e que, em fevereiro, desferiu um ataque histórico contra os trabalhadores, reduzindo salários (a média salarial era de 6 mil e cairá para um piso de 1.700 para novos funcionários), acabando com adicional noturno e com estabilidade para acidentados.
Enquanto se canta a revolução, se deixa passar, sem luta, um ataque deste tipo: Esta é a expressão mais clara da adaptação total na qual o PSTU entrou, como resultado de suas adaptações antes e depois de sua ruptura em 2016.

Neste cenário de terra arrasada, são numerosos os ex-militantes e pequenas organizações que, pulverizados, tentam encontrar nas atuações cotidianas vias de impor pequenas resistências a esta ofensiva geral. Não é, no entanto, nada fácil.

Nossa “esquerda tradicional” é herdeira das mesmas contradições que hoje trazem o Brasil para o beco sem saída em que nos encontramos.

Herdeira da absurda lei da anistia de 79 que permitiu a Bolsonaro e todas as raposas ligadas a ditadura seguirem comandando a política no Brasil, gestada pelas lutas operárias de 78 a 80, herdeira da formação do PT na década de 90 e, desde então, seguindo sua trajetória, de maneira mais ou menos conflituosa, de oposição ao regime capitalista até a sua completa integração e transformação como partido capitalista a partir de 2002, nossa esquerda se adaptou completamente a um modelo de política domesticado, limitado, tacanho e engessado.

Sua composição, em geral, baseada nos extratos “radicalizados” da classe média pequeno-burguesa e em setores mais “confortáveis” dos trabalhadores (estatais, categorias de grande importância estratégica), deixaram por anos (principalmente a partir dos anos 2000) milhões de trabalhadores terceirizados, superexplorados, informais, temporários e, agora, desempregados, órfãos de qualquer atuação e representação política.
Assim é que se formou, ao longo dos anos, uma massa indefesa para a ilusão assistencialista vendida pelo discurso PTista ou reféns de gangsters e burocratas sindicais dos sindicatos patronais como Força Sindical, UGT, etc.

Ao mesmo tempo, tais organizações criaram, como estratégia de sobrevivência, todo um “microverso” interior, com seus cargos, afazeres, estruturas hierárquicas burocráticas, jogos informais de privilégios e status e até mesmo um léxico e vocabulário distante, sem preocupação em traduzir e organizar os milhões de trabalhadores órfãos de um projeto de mundo.

Nestas organizações (além do PSTU e PSOL, muitas das menores também),  as intrigas palacianas, ou seja, entre grupos de dirigentes baseados não num projeto estratégico revolucionário, não numa concepção de posições táticas a serem adotadas, mas em afinidades pessoais e amizades, são a regra e movem a ação. A base militante resta o papel de executar o decidido na cúpula e rezar o credo de tal ou qual grupo para encontrar alguma razão no que faz.

A formação teórica marxista, a compreensão do básico da exploração capitalista do trabalho humano (o coração da sociedade capitalista) e de seus mecanismos, das contradições da nova estrutura do trabalho, da importância da ação independente do Estado e dos patrões pela classe trabalhadora, como projeto estratégico de desenvolvimento do país e da revolução, ou seja, tudo o que poderia dotar os militantes de compreensão sobre os “nós” dos problemas de organização e conscientização dos trabalhadores, são abandonados.

No lugar, existe há anos uma militância alienada, que vive de pequenas tarefas performáticas nas universidades de elite ou nos empregos confortáveis estatais, separada por um abismo da vida da massa explorada brasileira.
Abismo lexical, social, ideológico.

Não é de se espantar que o Bolsonarismo tenha encontrado o gol aberto; ocorre que esta esquerda, a esquerda do PT, achou que não precisava entrar em campo.

A situação avança muito mais rápido do que se ergue uma alternativa

A situação é grave e, assim, a sensação de impotência acomete muitos militantes e muito mais os trabalhadores diante da evidente piora das condições de vida.

Estamos diante de uma situação econômica e política que se desenrola muito mais rapidamente do que nossa capacidade de reação.
Para tal “esquerda tradicional” tudo segue bem. Como não tem influência ou sequer disposição de buscar atuar nos problemas fundamentais, vivem de ou pregar uma conciliação “paz e amor” inexistente no horizonte da guerra social em curso, ou de exigir que as burocracias sindicais, como CUT e CTB, PT e PCdoB, façam algo, ignorando seu projeto real.

Para os revolucionários e revolucionárias espalhados pelo país a principal tarefa do próximo momento deve ser resistir e se politizar estudando e mantendo as bases teóricas revolucionárias e buscar um reagrupamento partidário em base a uma estratégia comunista independente dos trabalhadores.

Junto a isto, girar todos esforços para construir uma frente única que retome os sindicatos dos pelegos, organize novas formas de representação e organização dos trabalhadores intermitentes, precarizados e terceirizados, buscar ligação, politização e atuação junto aos desempregados e, assim, criar as bases para uma refundação da esquerda revolucionária brasileira.

Tudo indica que este processo será cruzado por muito mais rupturas e levantamentos espontâneos dos trabalhadores, conforme as condições de vida piorem.
Ter clareza da atual crise e honestidade intelectual para chamar as coisas pelo nome são, no entanto, condições para erguer uma alternativa.

Um comentário:

  1. Entregamos nosso país a estelionatários da ideologia que pouco fizeram pela classe trabalhadora. O mais grave é que essa classe trabalhadora não percebeu esse cenário...

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