terça-feira, 21 de abril de 2020

O nó histórico dos trabalhadores na epidemia


A epidemia avança.
Longe de proteção e auxílio, o que encontramos é um Estado que não testa, logo, não tem, nem oferece clareza sobre qual é o real número de infectados e mortos e cujas medidas todas se encaminham a transferir verbas trilionárias para bancos, endividar pequenas e médias empresas e trabalhadores e avançar em reformas vendidas como "incentivo a gerar empregos", mas que são preparação para o novo normal da superexploração do trabalho. 

Governos que regulamentam a superexploração enquanto nem sequer entregam o vale miséria prometido de 600 reais aos trabalhadores desesperados. O resultado vemos: bairros nobres com menos mortes e pobres com hospitais lotados e mortes cada vez maiores.

Sem saídas,  lutamos como podemos. Entregadores de aplicativo fazem manifestações pelas ruas das cidades por equipamentos de proteção e remuneração digna, trabalhadores do telemarketing se rebelam contra sua determinação como essenciais (ao lucro ou ao combate ao vírus?), desempregados e informais nas favelas buscam sua autoorganização e se viram na base do "nós por nós". 

Paraisópolis guia esse caminho, com milhares de trabalhadores organizando suas ruas e necessidades sanitárias e alimentares na favela. Os "presidentes de rua" materializam essa ação autoorganizada e direta.

Não existe solução para esta crise, em suas dimensões econômica e sanitária, pelas mãos destes governos e da elite burguesa.

Ainda que aparentem disputar, governadores, congresso e Bolsonaro, convergem no fundamental: aproveitam a subnotificação causada pelo acobertamento e falta de testes para manter a exploração absurda dos trabalhadores, manter a máquina econômica girando mesmo que isso signifique infecção em massa e resgates trilionários aos bancos e grandes grupos. 

Não fosse isto, no Epicentro da Pandemia em São Paulo, Covas e Dória, marketeiros profissionais, não estariam mantendo toda indústria funcionando e, na última semana, não permitiriam que igrejas e lojas comerciais de diversos tipos estivessem abrindo. 

O isolamento social, a única forma de proteger a população do vírus enquanto não houver vacina e tratamento, está por um fio: sem salário para ficarem em casa, com a pressão de bolsonaro diminuindo a gravidade dos fatos e com os patrões pressionando pelo fim do isolamento, cai o índice de isolamento (devidamente monitorado pela inédita quebra generalizada de sigilo de informações de localização pelas operadoras de celular para o Estado, medida autoritária que vai seguir depois disto tudo)

Estamos num nó histórico.

A consciência de classes dos debaixo, extremamente atrasada, não avança caso não existam exemplos de novas formas de organização, impulsionados pela situação econômica. 
Por outro lado, as novas formas de organização (que aparecem embrionariamente em paraisopolis, entregadores de app, luta nos call centers) não conseguem se generalizar e avançar para patamares políticos, acima das explosões espontâneas de luta pelas condições mínimas, se a consciência de classe dos trabalhadores não avançar.

A situação de desagregação econômica exige ações de solidariedade e compromissos mútuos entre empregados e desempregados (e hoje entre as diversas subcategorias de trabalhadores).

Hoje por hoje, no entanto, as grandes centrais sindicais como CUT, CTB, Força, junto de seus partidos, se fecham em suas redomas e se resumem a dois tipos de ação: teatro parlamentar e falatório de internet. 

De nenhuma maneira, e nisso estão acompanhados das organizações de esquerda menores, se ligam aos trabalhadores citados, que se rebelam em meio a este absurdo. Patrões demitem milhões, cortam salários em 70%, nada os leva a fazer nada além de notas de repúdio.

Não é que apenas não organizam nada, nenhuma ação, nem mesmo de caridade ou entrega de alimentos para os trabalhadores desempregados e informais, absolutamente desesperados nessa situação. 

É que não movem um dedo sequer para criar estes laços mútuos de solidariedade entre empregados e desempregados. Entregam assim dezenas de milhões no colo da extrema direita bolsonarista e suas mentiras

E porque isto seria importante?

Além do evidente sentido de auxílio básico por organizações de trabalhadores para aqueles sem qualquer alternativa, tendo de escolher entre a fome e a infecção, há um aspecto estratégico incontornável:
Os debaixo só vão encontrar uma solução e gestão para essa crise sanitária e econômica quando e na medida em que formarem uma UNIDADE dos debaixo, explorados, trabalhadores.

Só esta unidade tem força e interessa a todos nós sofrendo o grosso da crise, em sangue e suor. Se depender da elite economica, seremos apenas buchas de canhão, números em planilhas fazendo a conta engordar, enterrados em valas comuns como no Equador, Itália ou Nova York.

Aproveitar a experiência citada nestas lutas pontuais, generalizar os métodos de Paraisópolis (imaginemos a escola de guerra e o avanço de consciência entre nós peões com as fábricas formando "presidentes de seção", quebradas formando "presidentes de rua", call center formando "presidentes de sala de operação", etc) apontam para um projeto de poder, uma forma de sociedade distinta e para organismos concretos sob os quais poderia se basear a ação e organização dos debaixo. 

Essa luta seria de início pela manutenção das condições de saúde e alimentação nas empresas que funcionam, nos bairros, nas quebradas. 
Mas inevitavelmente  entraria no caminho político, pois iria provocar reações agressivas do poder estatal e para-estatal. 

Imaginem o desespero das frações da burguesia com uma explosão de autoorganização nas quebradas, locais de trabalho e fábricas? Imaginem se estes "presidentes" passam a se organizar juntos, tirar ações conjuntas, exigir reivindicações juntos, impor ações, organizar as fábricas para produzir bens contra o vírus, tomar prédios para que os sem casa se protejam, começar a questionar a base da sociedade: a propriedade burguesa acima da vida operária? Isso é intolerável para o comando capitalista.

Ensinaria muito a um nascente corpo de direção dos trabalhadores.
Levaria a implantação desigual em cada lugar (num bairro sem trafico seria de um jeito, num com tráfico de outro, com milícias de outro), a necessidade de manobras e desvios, a muita organização e solidariedade. 

De toda forma, sem sombra de dúvida faria avançar duas coisas fundamentais: a consciência de classe e o protagonismo da classe trabalhadora na gestão da crise, por meio de gerir a sua vida durante ela e buscar atender os seus interesses sem a mediação desse organismo que NÃO o serve: o Estado burgues, que só serve aos patrões, como essa crise está provando dia a dia. 

E esse caminho seria fundamental para cortar o nó e também materializar de uma frente única na ação, por parte de toda esquerda, retomando os laços quase inexistentes dessa com a multidão de explorados. Nesse espaço a disputa dos revolucionários seria dura, mas enormemente instrutiva, formadora para seus quadros e para todos trabalhadores.

Apenas uma unidade dos debaixo, trabalhadores, desempregados, pobres sem renda e favelados, poderia apontar para uma gestão da crise que preserve suas vidas e, nessa luta, conduza inevitavelmente para um outro projeto de sociedade e vida.

Fora disso, o que sobra, no entanto, é teatro parlamentar e imobilismo sindical que, com o passar dos dias e da gravidade da situação, tendem a ficar para trás e dar lugar as explosões espontâneas dos oprimidos. 

Tudo reside, então, na capacidade dos e das que se reivindicam revolucionárias se prepararem para fomentarem, ajudarem a organizar, se somarem e conduzirem este tipo de ação por uma outra forma de sociedade. 

Nesse caminho, abandonar os "salva vidas" do sistema é imprescindível. Não há reforma duradoura nesse sistema. O Estado de "direito" é uma fábula que nunca chegou, menos ainda agora, aos trabalhadores e pobres. O caminho se aponta em cada uma das lutas que surgem para a superação desse sistema e regime político.

É preciso, no momento preciso, organização e ação.

Um comentário:

  1. Não sei nem o que comentar além de que penso exatamente da mesma forma. O trecho final, sobre abandonar os salva vidas do sistema é um dos pontos chave. Depositar todas as nossas esperanças de mudança nas ideias/ações de organizações que tenham qualquer tipo de ligação partidária jamais funcionará, penso eu.

    Há muito não confio mais nisso e minha confiança na "esquerda" nacional já está por um fio.

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