quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

"Sedução confrontacional"

- Porra velho, cê só escreve sobre um tema! Parece xarope assim.
- Como assim, tio?!
O gole desce um pouco mais amargo que o comum. O puto do Jonas começou com as psicanálises compulsórias dele. Foram só dois litrões, menos de meia hora pra ele parar a conversa no meio e dizer que tinha de ser sincero.
- É porra. Alguém tem que te dizer isto. Quando você fica postando e escrevendo desse jeito monotemático, a galera pode começar a pensar que é algum tipo de piração, neurose, uma coisa de doença mesmo, saca? Eu mesmo que não te vejo há um tempo...
Eu já tinha comentado com ele anos atrás - na última vez que nos vimos - que não gostava dessa merda.
Se tem algo pra me falar, me liga, manda um inbox, um direct, qualquer coisa porra. Essa mania de encarregado motivacional de escritório me deixa puto. O pior é que, cortando o papo da roda desse jeito, agora eu sou o centro das atenções. Respondo pra cortar:
- Ah tio, sério? Monotemático o que? Listando as merdas que o seu candidato tá fazendo na nossa vida com a ajudinha dos teus patrões?
- Aí velho! Não falei? Toda e qualquer coisa é motivo pra você começar a fazer malabares com estatística, cifra, notícia; botar na conta dos malvadões capitalistas. Tô te falando, essa lavagem cerebral que não te deixa ver. E ó, eu votei no Amoedo e anulei no segundo. Sou empreendedor; não tenho patrão. - replicou orgulhoso.
O Jonas antes de ser anarco-capitalista, tinha sido headbanger e, antes disso, otaku. Não entendo como fomos pensar tão diferente...
Se bem que não posso falar muito porque também frequentei umas feiras de japonês.
Nesse caso, ambos sofremos na mesma barca do ostracismo social da época. Nunca fizemos um amigo nessas feiras e nem compramos nada. Dois fodidos da periferia que só iam lá pra jogar nos Playstation de graça, bater nos boys com aqueles cotonetes gigantes e tomar mupy de saquinho.
Compartilhamos o declínio e a glória do mupy de saquinho plástico, uma joia hoje perdida.
Agora ele divide seu tempo entre ser coach de programação neurolinguística, psicólogo e microinvestidor na bolsa. “Sempre “pensando fora da caixinha”.
Disse que não foi nos atos do pato da FIESP porque achava a multidão um jeito muito atrasado de reivindicar. Outro dia me mandou uma petição para obrigatoriedade da implantação de canudos de papelão em todo território nacional. Não excluindo os de plástico, porque o livre mercado já iria fazer isso.
- Velho, eu já te falei que eu posso falar de qualquer coisa. Eu só me preocupo bastante com política. Acho que todos nós deveríamos, já que isso afeta em todos os sentidos as nossas vidas e --
- Páára tio!! - Exclamou me cortando. – Tá vendo, Júlia? Fala se não parece doido ficar retrucando sobre política? Cê precisa ter autocrítica, parar de ficar pregando...
Eu esqueci uma coisa importante. Parte das funções de coach do Jonas é ser “conselheiro amoroso”.
Dá dinheiro com os otários que pagam no desespero e status nesse mundinho dos Farialimers... Se a gente parar pra pensar, o Brasil tá avançado demais; até um charlatão tem seu saber organizado, né não?
Uma vez ele me disse que era especializado em “sedução confrontacional”.
Perguntei “que porra é essa” e ele me respondeu que era uma tática pra seduzir por tabela, aumentando seus traços e diminuindo o de outros. Usavam de Maquiavel a Roberto Justus pra potencializar os equilíbrios de handcaps e vantagens emocionais entre os competidores. O objetivo era baixar os do adversário e deixa-lo mal pra ter espaço cognitivo e fazer todo seu brilho aparecer.
Acho que na real o Jonas fez pós-graduação em filha da putice, mesmo.
A Júlia colou com a Sílvia não faz nem dez minutos. Com um sorriso meio sem graça ela diz:
- Ah deixa ele, Jo. Acho superimportante ter essa visão engajada. Hoje em dia a gente parece que não tem mais direitos. A gente trabalha o mês inteiro e não consegue ter nada...
Aí eu percebi a jogada. Eu sou o mais novo degrau na escada do Jonas. A Júlia terminou não faz nem um mês. Isso é que é urubu oportunista!.
Respondi atencioso:
- Total, Ju. A vida só piora e quando reclamamos ou escrevemos algo somos “monotemáticos”. Mas só diz isso quem tá na boa...Vê só o Jonas. O cara é um Glitch Tabajara, vive de dar conselhos pra vida afetiva alheia, fez campanha envergonhada pro Bozo e acha que nós mortais temos de ficar felizes com a “abertura da economia” e o “compliance empresarial”. Os caras aprendem a repetir expressões compostas pra parecer que sabem do que falam.
Notei um sorriso de soslaio no lado esquerdo da boca. A testa do Jonas franziu.
- Ah! Falou o motorista de Uber! Olha Ju, ele não consegue tirar nem dois barão por mês e quer cantar de galo. Ce não tiver pra pagar essa breja eu te empresto viu, man? Hahaha.
- Acho que pisei no calo de alguém...
- Que calo o que, loko! E eu lá sou mulher? Só tenho calo na mão. Hahaha.
De súbito, Júlia protestou:
- Nossa Jo! Como você tá machista!
- Machista não! Eu só reconheço as diferenças naturais entre os gêneros. Cê não vai vir com esse papo de machismo, né? Você também tá nesse negócio monotemático de ideologia de gênero?
- Não é isso, é que eu acho que não existe essa--
- E Laiá!!! Cês tão chato demais, gente! Achei que depois de anos de vocês ai presos nos namoros a gente ia se encontrar e falar da vida, aí cês me vem com essas besteiras de esquerdista? Ficaram solteiros e ficaram mais chatos! Hahaha. O lance é que já foi provado que a sociedade sempre foi patriarcal e o humano só funciona assim.
- Fontes? - Questionou Sílvia interrompendo a própria expressão boquiaberta.
- Oh, eu vou dar uma mijada, mas cara, tem um vídeo que vocês precisam ver. Tudo muito real, nada dessas coisas ideológicas de vocês. Cês conhecem o Olavo? – E levantou rápido para o banheiro.
Acho que percebendo o terreno, desistiu de tentar alguma coisa e decidiu por um pit stop. Olhei pra Júlia e pra Sílvia. O encontro de 3 olhos esbugalhados e bocas abertas falaram mais do que qualquer frase.
Não esperamos pelo Olavo. Porque, com certeza, não aguentaríamos até a terraplana.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Detalhes


O olho fechado.
Se abre num instante.

Lá de fora o que chega primeiro é o ronco do avião. As motos gritando seguem aos ouvidos na sequência.

É noite.

De frente pro teto um borrão preto, uma escuridão contínua regularmente marcada por fileiras de luzes passando pelos orifícios da janela de metal. Caminham de baixo pra cima conforme os carros passam.

Percebo agora o quão afobado fui a vida toda. Tantos detalhes passando despercebidos, cada um como uma assinatura do momento, ganchos pra que as memórias mais tarde encontrem onde puxar e trazer a lembrança viva ao espaço entre o que os olhos vêm e o que a mente pensa.

Cada toque, cada aroma, cada imagem, tudo podia ser aproveitado, quem sabe um pouco mais.

Um motor estaciona perto. A moto buzina estridente, três vezes. Começa um murmúrio.
Tento destilar cada gota do momento, mental e real, deitado no escuro, focado no instante, pensando em onde estou. Faz tempo que não faço isto.

Dia destes veio outro daquele maldito coração batendo forte. Não sei se é pelo salto muito grande que a minha cabeça fez pro futuro, o beck mofado ou só outro dos espasmos das minhas feridas.

Não, não uma real; de um corte ou mordida de cachorro.

Uma daquelas que todos vamos acumulando na vida e que, vez ou outra, ardem e coçam pra caralho, por debaixo da pele e dentro da cabeça, deixando nossas frases e respostas meio aéreas ou simplesmente nos silenciando por umas horas ou dias.

Lá embaixo o murmúrio continua. Dou uma espiada pelas frestas. Dois caras. Já passam das 23:00. Um deles tá bem feliz. Tá contando uma história. Parece que saiu da cadeia hoje. Saidinha. Do outro lado da rua entre os prédios, da janela do apartamento do térreo, a velha da Dulce afasta um pouco a cortina branca de rendas na ponta e observa tudo. Ê véia que gosta de fofocar!
O escrutínio é severo e atento.

Volto a deitar.
Já faz uns 10 minutos que estou aqui. Nunca me ensinaram a meditar. Também nunca tive a paciência de ficar sentado pensando "em nada" pra o que? Nada!?

Será que era pra nada, mesmo? Bom. Li outro dia que a fita é deixar os pensamentos rolarem e só contemplar o que passa, enquanto você se fixa na respiração. Uma espécie de âncora pra te manter seguro e concentrado enquanto sua mente veleja livre.

Foi nessa onda que me peguei pensando nisto. Estranho porque aqui, parece que estou numa terceira camada de toda essa história. Como estou pensando nisto tudo se... estou vivendo isto tudo?
Percebo que, na realidade, cada fato e gesto se traduz em imagens na minha cabeça, formando camadas de pensamento diferentes.... Começo a velejar mais distante.

Quantos pequenos gestos realizados displicentemente deram uma falsa impressão de mim? E aquela piada meio torta que falei semana passada na mesa do bar? O povo ficou me olhando meio desconcertado. Fizeram aquele "É..." condescendente... Quantos se afastaram porque também não estavam prestando atenção o suficiente nos detalhes? Nos meus detalhes? Quantos se importaram?

Quanta dor causei por isto? Quanto deixei de observar no outro? Quantas vezes coloquei a minha grande imagem idealizada do mundo passar por cima de tantos detalhes, ações, movimentos, expectativas e desejos desses tantos que passaram por minha vida? E quantas vezes fui esmagado por outros tratores de outros como eu?

O teto fica vermelho.
E então azul.

Minha âncora me recolhe. A regular intermitência azul-vermelho bate no céu obscuro de meu teto e atinge meus olhos, passando entrecortada pelos buraquinhos da janela. Um barulho alto começa. Um freio estridente corta o silêncio, como um prólogo.

"Vai, filho da puta, nóia do caralho. Tá de volta?"
Passos apressados e portas se abrindo ecoam pelos cubículos dos prédios.
Na rua entre eles os vermes gritam e xingam. O barulho de uma moto se espatifando no chão é inconfundível. A autoridade confiante parece irritadíssima.

"Tá com bom comportamento é? Não falaram pra'queles troxas que na rua cê não se comporta? Animal igual você tem de ficar enjaulado ou empalhado!"

Volto pras frestas.
Risos e gargalhadas, de uns 4 PM's, são brevemente interrompidos pelo cara da moto. "Eu to de saidinha senhor, não faço mais nada disso, agora lá dentro vou até na igre--" Um soco interrompe a frase.

O amigo dá um passo pra trás e é advertido: "Não foge não filho da puta, senão cê some junto".
Começa uma sessão de espancamento de frente pra todas as casas. O maluco na moto e o muleque na porta já estão no chão. Ele tem família, mas parece que não tem ninguém em casa hoje.

Não posso ficar aqui. Que que eu vou fazer? Porra, se eu ficar parado eu sou só mais um cusão. Pelo menos filmar, né?!! É meu direito! Esses putos não podem vir aqui e tacar o terror desse jeito! É dia 23 de dezembro, porra!

Vou pra janela da área de serviço. Vejo rapidamente os outros dormitórios. Como uma cascata, algumas luzes distantes, tipo as de uma cozinha nos fundos ligando pra iluminar a sala, começam a ascender. A Dulce já abriu a cortina e a janela. De onde ela olha não conseguem vê-la, mas ela parece vê-los bem.

Entre cassetetes e chutes o moleque do portão berra que são trabalhadores; recebe uma bota entre os dentes. Não tenho certeza, mas acho que vi um dente cair na poça de sangue mal iluminada que ele cuspiu no chão.
O da saidinha não tá com melhor sorte. Três espancam chutando e dando cacetadas no coitado. Estão todos rindo, apontando, xingando.

Que que eu faço porra??

Logo atrás deles, no meio da rua, pararam a viatura. Corri pra cozinha e peguei meu celular. Essa porra de resolução não chega até lá. A janela tá meio entreaberta, se eu for até ela e esticar o braço... Não, porra! Quase me viram! Será que não vão marcar minha mãe? E a Letícia? É seu direito, caralho! Vai lá, tira uma foto!

O borbulhar mental se resolve e meio que alcança uma forma consensual: tiro uma foto, meio torto, semi-agachado, olhando, com a cabeça atrás da parte fosca da janela, a tela do celular no espaço entreaberto.
Peguei a porra do número em cima da viatura! Os moleques tão cuspindo muito sangue. Já devem estar apanhando há uns 6 ou 7 minutos.

As janelas começam a se abrir. O conflito interno de cada um parece ir se resolvendo pouco a pouco, tão mais rápido quanto mais dura a tortura na rua.

“Vai matar os moleques, seus covarde!” diz um grito anônimo rompendo a cena de horror. “É tudo trabalhador aqui, seus coiso! Deixa eles!”.

 O PM que desceu o carro primeiro vasculha os olhares. Seus dentes serrados e olhos esbugalhados dão uma feição estranha. Os cara tão vidrado.

Começa a berrar: “Se aqui só tem trabalhador, que que esse filho da puta tava fazendo quando pegamos ele vendendo na biqueira ali atrás? Cês são os culpados! Cês protegem esses filhos da puta e com a biqueira tão ganhando, né?! Quando voltam, voltam pro ninho! Quem falar demais vamo levar de testemunha e vai passar o Natal no DP!”

Ainda assim, mais e mais janelas continuam a ascender.

Agora mais cortinas brancas se afastam, tem até alguns com as janelas abertas, consigo ver algumas telas de celular. Os murmúrios começam a se tornar mais altos, agora vindo de todos os lados.

Os PM’s percebem. Os golpes escasseiam. Deve ter parecido uma eternidade pra'queles dois tomando tanta pancada. Os gemidos se transformam em tosses molhadas. Os xingamentos agora se chocam com força contra a rua.

“PÉ de porco! Cês não servem pra nada aqui!”; “Veio pegar a caixinha de natal e não recebeu, seu safado!”; “Isso é abuso, cês tão matando os menino!”.
Me encorajo:
Vão pra casa do caralho seus verme! O cara só tava conversando! Ninguém precisa de vocês aqui, seu lambe bota de patrão, hipócrita; é quase dia 24 de dezembro porra; olha o tanto de sangue que cê tá arrancando de quem não fez nada pra você; olha as crianças vendo tudo, as velhinhas... cês tem orgulho do que fazem???!!

O primeiro PM a sair do carro para, levanta a cabeça e me olha na janela.
Não diz nada.
Apenas olha, em um intervalo não muito longo, mas particularmente expressivo.
Uns três segundos.
Não consigo ver nenhuma mudança em sua expressão, já séria, pelo que ocorre. Só percebo um leve apertar de olhos, como quem tenta ver melhor algo.
Começa a olhar para as outras janelas e pros caras no chão.

Rapidamente ele vira e começa a dar ordens pros outros PM’s.
Dois deles puxam e levantam o da saidinha. Nem falam nada pro moleque no chão, cuspindo sangue. Abrem o porta-malas da barca e jogam o primeiro. Um deles pega a moto e dá a partida.
Todos dentro, as luzes da viatura param. Ela sai e a moto vai atrás.
O moleque no chão levanta a cabeça ensanguentada, todo ofegante. Dulce já tá abrindo a porta com uma toalha na mão, falando algo pra ele.

Assim, do nada, para a cena.
As luzes começam a se apagar, janelas rangendo se fecham, portas batem, os murmúrios diminuem. Já passa da meia noite. Olhando a rua, agora vazia e silenciosa, levanto a cabeça e observo o horizonte, onde vejo a linha que os prédios da Paulista formam.
Tô com sede.
Bebo um copo de água.
Não to no clima de colocar vídeo ou ler nada. Vou pra cama.

Deitado, penso sobre por onde velejei antes disso. Detalhes. Pensava em detalhes.
O número da viatura me vem a cabeça. O rosto do saidinha. Os olhos apertados do verme.

O que vou fazer com todos estes detalhes?


sexta-feira, 8 de novembro de 2019

STF nega prisão em segunda instância: Liberdade... Mas pra quem?



É sempre um "anti-climax" tratar fria e objetivamente da política em momentos de euforia como este.

O jogo de velocidades entre as alas burguesas envolvendo a liberdade de Lula se acirrou hoje.

Em todas as manchetes há chamadas sobre quais as possibilidades dele, solto, se candidatar; senadores e deputados afirmando que pautarão, as pressas, a mudança da legislação sobre a possibilidade de prisão já em segunda instância; euforia na bolha "progressista" petista e semipetista; polvorosa na bolha bolsonarista e conservadora.

Lembremos: o STF, uma casta social de juízes vitalícios que não foram eleitos por ninguém, decidiu, por margem apertada de 6 a 5, que, segundo a constituição, para prender, só depois de todos os recursos a justiça.

Não deixaram, é claro, a porta fechada para que "o legislativo possa exercer seu direito de modificar a legislação", com o adendo do Jardineiro Paraguaio, Alexandre de Moraes, de que cabe ao juiz do caso analisar o caráter "cautelar" da prisão.

Piada pronta. Num país em que 41% dos presos são preventivos, ou seja, nem julgamento em primeira instância tiveram, alguém acredita que todos estes serão soltos?

Graças a "lei de drogas" de 2006, em que o PT, junto dos atuais desafetos e outrora aliados do centrão, MDB e até de Bolsonaro no PP, ajudou a transformar o Brasil no terceiro maior contingente carcerário do país, a política de drogas se transformou em política de CONTENÇÃO social e terror de Estado contra a população pobre e trabalhadora brasileira: a maioria negra.

Acreditar nessa decisão é o equivalente a acreditar que o aristocrático STF, presidido por Tóffoli, que num dia beija as mãos dos generais, legitima o impeachment e as reformas trabalhista e da previdência contra o povo e, no outro, diz, indignadíssimo, que "todos sabemos que quase metade dos presos no Brasil nem julgados foram", se tornou a principal arma contra a política das elites desde pelo menos a abolição!
Ou seja, que são as armas contra si mesmos!

Porque é isso meus amigos. A atual lei de drogas nada mais é do que a continuidade da lei da vadiagem: um pretexto usado para amedrontar e tirar de circulação todos os "elementos" negros e proletários que, após a abolição, não viram nem cheio de REFORMA AGRÁRIA, como nos, para tais juízes, invejáveis países civilizados europeus.
E sem terra pra plantar e moradia, como os negros iriam se abrigar e alimentar? Voltando a exploração dos mesmos senhores de escravos.

Uma política de gestão da miséria, da superexploração e da pobreza, vistas em quaisquer quebradas do país, através da repressão e violência

Eis aí a história dos últimos 130 anos, em que a superexploração do corpo do trabalhador e da trabalhadora negra, inclusive pelas mesmas famílias de senhores de escravos, são a continuidade da abolição mais tardia da história da humanidade, o que marca o Brasil até hoje.

É pensando nisso que, apesar da decisão do STF, alas inteiras do Senado e da Câmara aceleram seu carrinhos para tentar, antes da saída ou da anulação da condenação de Lula no caso do triplex (falam em iniciar as decisões na CCJ do senado na semana que vem), mudar a legislação para permitir esta prisão antes de todos os recursos.

Assim a ala lavajato-bolsonarismo, unida neste caso, mata dois coelhos: impede que seja enfraquecida com o "retorno do mártir" e mantém o projeto estratégico de eliminar qualquer contradição que os impeça de seguir o encarceramento ilegal, ilegítimo e imoral, dos negros no país, tentando convencer a elite em debandada de que "eles mostram serviço".

Por outro lado, há forças em movimento abaixo da superfície que a euforia não permite ver.

O conjunto do consórcio burguês em ação (comercial, latifundiário, rentista, banqueiro, industrial, gringo) fez o que fez desde 2014 para destruir o antigo pacto que significou a constituição de 88.

Dela só restam escombros. As relações de trabalho foram destruídas e substituídas pela precarização, terceirização e informalidade. A população mais pobre vai, estatisticamente, morrer contribuindo sem aposentadoria. A superexploração é base de taxas recordes de lucro para os bancos e para as grandes empresas industriais que ainda estão por aqui.
Por outro lado, o Brasil encara uma das maiores desindustrializações da história, vê toda uma camada de centenas de milhares de "empreendedores" falindo e voltando ao trabalho assalariado e assume sua vocação na nova divisão internacional do trabalho: o de ser uma semicolônia de exportações de produtos primários e só: ferro, petróleo, milho e soja. Nenhum país possui qualquer autonomia política desse modo.

Existem, no entanto, evidentes insatisfações com Bolsonaro e seu projeto de totalitarismo populista de direita e, se der, diretamente fascista, com sua declaração como "generalíssimo".
Ele nunca foi o filho pródigo. Esse se chamava Alckmin mas, apesar de dezenas de partidos e minutos na TV em seu apoio em 2018, não foi convidado nem para o banquete principal.

Bozo, então, teve de ser engolido, com seus métodos de gângster e suas tramóias corruptas, pelo menos até cumprir o máximo dos interesses do consórcio burguês.

Ocorre que esse tempo já passou após a aprovação das reformas e seu apoio popular, como demonstram as pesquisas, e nas elites, como demonstram os escândalos de Mariele e o fiasco da venda do Pré-sal, se corrói em praça pública.

A corrida de velocidades, distante do que as mentes ingênuas podem pensar - e não há erro maior do que a ingenuidade, na política -, que pode permitir a soltura de Lula  e o retorno de seus direitos eleitorais caso tenha sua condenação anulada no caso do triplex, também pelo STF, vai ser definida pelas movimentações de interesses da burguesia e da disputa entre as alas da burguêsia dos EUA.

Com Trump enfraquecido, os democratas e o "deep state" Yankee, junto de um setor da burguesia brasileira podem chegar a conclusão, como é o que indica, de que esse nível de polarização é imprevisível e perigoso no Brasil.

Lula pode ser escolhido como o artífice de uma nova etapa de conciliação de classes, vendida como "vitória popular", que vai lavar a cara do STF (que até aqui sambou na cara da constituição e apoiou de temer a Bolsonaro contra os direitos do povo), "dar um ar" para o regime político carcomido e, ainda assim, seguir trabalhando com os mesmos interesses das elites, principalmente a estadunidense.

A prova de fogo? Saindo, Lula vai lutar para revogar TODAS as reformas que destroem nossa vida ou para eleger os seus? Uma vez no poder, dirá que "não pode se revogar porque o senado e o congresso não querem"? Quer jogo melhor?

Lava as mãos, como a CUT e os sindicatos fizeram até agora, permite o retrocesso geral, diz que "é o que dá", retorna o toma lá da cá, o presidencialismo de coalizão com MDB e afins e, no final, negocia um lugar no novo regime que surgiu do golpe de 2016, em troca de pacificar, através da emoção e da lembrança, por alguns anos, a massa de miseráveis brasileiros.

Tudo sem tocar em nada do "PF" burguês, ou seja, os direitos trabalhistas ,empregos e a aposentadoria, arrancados pra obterem mais lucro e transferirem dinheiro pra pagar a dívida pública mentirosa com os bancos

Esse é o retrato não tão distante do Brasil e da abrangência do debate de hoje.

Assim, a liberdade virá pra quem? Nosso país, nosso povo mais pobre, nossas quebradas, nossa juventude, estarão livres?
Nem toda euforia se justifica...

domingo, 20 de outubro de 2019

Revoltas na América latina e crise no Brasil: o que é ser de esquerda e socialista?



Até 2013 é possível dizer que, diante da massa de trabalhadores e mesmo de seu setor mais ativo politicamente, a chamada “vanguarda”, era muito confusa a definição do que chamamos “esquerda”.

Como resposta a piora de vida obtida pelos governos neoliberais da direita anteriores a Lula, milhões de brasileiros projetaram suas expectativas na eleição vitoriosa para presidente, pela primeira vez na história, de um candidato do PT.

O teto de um “projeto de país”, se assim podemos chamar a conjunção amorfa de expectativas populares, estava contido na fórmula PTista de avanço gradual das condições de vida baseado no consumo e medidas assistenciais.

Para isso, o crédito barato, controle inflacionário e cambio flutuante, o “tripé macroeconômico” do neoliberalismo, eram a política econômica num período muito especial de nossa história: o boom das commoditties, com a enorme quantidade e o alto valor de mercado dos bens primários (soja, minério de ferro, petróleo cru, cana, etc) vendidos principalmente para a China.

Com suas altíssimas taxas de crescimento, chegando a dois dígitos, num período de quase três décadas seguidas, a China arrastou o Brasil e o protegeu dos primeiros efeitos da enorme crise econômica mundial aberta em 2008.

Tal bonança momentânea esteve por trás do crescimento nos dois mandatos de Lula e na maior parte do governo Dilma até 2013.
Esta conjuntura, se beneficiou os mais pobres através de programas de transferência de renda, como o “Bolsa Família” e a ampliação do acesso da juventude mais pobre as universidades através do PROUNI e FIES, também tornou a vida dos grandes monopólios empresariais e bancos muito melhores, com lucros recordes de bilhões, muito além do gasto nestes programas sociais.

Os efeitos práticos dessa fórmula já são bem conhecidos e  são a base da força PTista no período:
A conciliação entre trabalhadores e magnatas realizada pelo PT num momento econômico favorável aparecia aos milhões de trabalhadores como um plano esperto e bem sucedido, sendo o efeito mais marcante do crédito barato e dos programas assistenciais a formação de uma base eleitoral sólida que, acreditando na gradual melhora de vida, conduzia todas as energias e expectativas de resolução dos problemas para dentro do Estado e seus ministérios, instituições e programas.

Vimos uma diminuição das lutas até 2012 em todo o país e o PT, longe de se definir como “esquerda”, adorava se posicionar como “de centro”, vendendo a imagem de um administrador “mais humano” do neoliberalismo e do capitalismo.

O ano de 2013, no entanto, pode ser definido como o marco em que aparecem os limites mais claros a esse cenário de bonança, coincidente com a desaceleração do crescimento chinês.

Este ano, marca a abertura do processo de fissura social que explode na luta contra as o aumento das passagens, botando as “massas” no centro do jogo político, ainda que sem muita forma, englobando de trabalhadores a membros da classe média, todos descontentes com o alto custo de vida nas cidades e, em seguida, com as medidas de austeridade que, a partir de 2014, começam a ser tomadas pelo PT como forma de responder a crise graças a perda de impulso dado pelas exportações internacionais.

De lá para cá sabemos bem como se deu o processo de manipulação midiática e organização do consórcio empresarial nacional e estrangeiro, cujos pontos marcantes são o golpe institucional contra Dilma, como forma de tirar o PT do caminho, acelerar os ataques e, é claro, obter as joias da coroa, a reforma trabalhista e da previdência.

De 2015 até hoje, como mostra a análise da série histórica da PNAD a desigualdade brasileira cresce ininterruptamente, num processo de desagregação econômica flagrante: o PIB caiu 8% na soma dos anos de 2015 e 2016 e nos anos seguintes estagnou, dando sinais de que haverá nova queda em 2019.
 
Os dados socioeconômicos¹ já são conhecidos e sentidos, com metade de todos os trabalhadores na informalidade(!),14 milhões de desempregados e uma realidade em que o 1% mais rico ganha uma renda 34 vezes maior (!!) do que os 50% mais pobres, cuja renda não passa de 820 reais mensais.
Do “Brasil Potência”, com a promessa de crescimento gradual para todos, chegamos ao país que mais concentra renda no 1% mais rico no mundo (!!!).

O problema da concentração de renda está na base do principal problema brasileiro, muito maior do que a corrupção: a desigualdade econômica.

A concentração de renda brasileira não é um problema novo e é resultado do fato de que o Brasil historicamente, na divisão internacional do trabalho ocupa o papel de “semicolônia”, cujo papel é suprir as grandes metrópoles capitalistas com seus insumos e importar, a preços muito mais altos, todo o maquinário, tecnologia e produtos industrializados delas.
Sendo assim, tem sua economia dominada pelos grandes bancos que são aqueles que possuem o capital necessário, concentrado através de juros absurdos, para se investir, seja na agricultura ou nas indústrias que existem no país.

A atual crise levou, até 2017, ao fechamento de mais de 350 mil empresas, dentre estas, obviamente, a maior parte de pequenos negócios (99% com até 9 funcionários)², levando a maior concentração da produção e serviços nas mãos dos poucos monopólios internacionais, igualmente controlados, é claro, pelos bancos dos quais dependem para obter capital e investir.

A classe média e pequena-burguesia, que arriscava seu pouco capital quebrou aos milhões e o sonho do Brasil “empreendedor” parece cada vez mais sepultado; o que, de alguma forma, explica ao mesmo tempo o ódio deste setor ao PT - que, no entanto, lhes havia prometido bons e graduais ventos para sempre - e seu apoio entusiasmado, que já começa a esvaziar, a Bolsonaro, que prometeu acabar com “tudo isso” e obter algum crescimento mágico.

A concentração de renda é a expressão social e econômica de um modelo de acumulação de riqueza que, por sua vez, depende fundamentalmente do principal problema do capitalismo para os trabalhadores, que deveria ser o centro do combate de algo chamado de “esquerda”: a exploração do trabalho, ou seja, o conhecido mecanismo através do qual a minoria de patrões toma a maior parte da riqueza gerada pelo trabalho ("mais valia ou mais valor") de cada trabalhador sem pagar nada por isto, apenas pagando um salário cujo valor é muito menor do que a riqueza gerada por ele.

E é aqui que a crise, apesar de seus efeitos agravantes do ponto de vista social, econômico e, inclusive, psicológico para nossa geração, nos oferece uma oportunidade única: a de dar nome ao que se chama de “esquerda” e, assim, entender seus projetos (ou a falta deles) para o país.

Num momento de melhores condições econômicas e esperanças de melhoria gradual, ou seja, todo o período de formação (no caso dos mais jovens) e um longo período de atuação (no caso dos mais velhos) das atuais lideranças dos partidos socialistas brasileiros, como PSOL, PSTU, PCB e outros menores, era muito difícil se observar os efeitos práticos e as diferenças práticas das posições políticas, posicionamentos e propostas entre tais grupos.

Com as energias populares desviadas para dentro do Estado burguês, esperando uma resolução de seus problemas “por cima”, grande parte dos trabalhadores e pobres nem sequer sabiam da existência de tais organizações, sendo um período de muita pressão a que estas se adaptassem a gritar aos quatro ventos, sem muito efeito, esmagadas pelo peso da ilusão PTista.

Tal escola não foi muito boa pois, quando a situação deu um giro e, desde 2013, encontramos um país em convulsão e polarizado, com uma recessão profunda, estes partidos se encontraram sem ligações, sem projeto e sem respostas claras para a profunda piora da vida, dos trabalhos (informais, terceirizados, uberizados, desestruturados, intermitentes) e da renda da maioria da população.

O que é ser então de esquerda e, mais enigmático ainda, “socialista” no Brasil de 2019?

A resposta a esta pergunta está, inevitavelmente, na resposta que tais grupos dão (ou não dão) ao problema da base de acumulação de capitais, ou seja, a exploração do trabalho, e, assim, ao problema do Poder no Brasil.

Recentemente, tomou a atenção de toda a América latina a enorme revolta dos trabalhadores, camponeses e indígenas do Equador, contra as medidas de austeridade de seu governo, que nada mais eram do que exigências do FMI  para emprestar dinheiro.

Vivemos, neste exato momento, uma onda de revolta popular no Chile, cuja gravidade levou ao governo capitalista de Piñera a determinar o absurdo “estado de emergência”, buscando impedir o direito de expressão, organização e reunião em toda cidade de Santiago, colocando mais de 10 mil militares nas ruas para intimidar o povo que se revolta, pula catracas, toma estações e apedreja multinacionais que lucram bilhões enquanto pioram a vida da maioria. 

Estes dois exemplos tem em comum o fato de que os trabalhadores, cansados  e já esmagados por uma vida dura, sem saber se conseguirão terminar o mês pagando suas contas, se viram diante de mais “faca na carne” e decidiram tomar os destinos e rumos da política e economia em suas mãos: tomando as ruas, praças, empresas e estações e gritando que não aceitarão serem mais esmagadas.

Esta “ação direta” das massas corresponde a um sinal dos tempos para toda a América Latina diante de uma crise mundial que se avizinha e uma vida que só piora. Já figuram nas manifestações chilenas algo muito parecido com o que se dizia em 2013 no Brasil, de que os atos “não são só por 20 centavos”, mas também por moradia, saúde, educação, contra a lata dos combustíveis, das tarifas, etc.
Sem projeto e direção, no entanto, tais revoltas podem ser desviadas ou se esvaziar.

Ocorre que as atuais organizações da esquerda continuam em seu caminho distante de uma resposta revolucionária, a única eficaz contra a exploração do trabalho e, portanto, contra o capitalismo e seus efeitos.

O problema não é apenas que o PSOL abandonou, de conjunto, qualquer agitação de idéias que apontem para o fim da exploração do trabalho, defendendo a propriedade coletiva de todas as grandes empresas, monopólios e bancos. Tampouco que não mencionem como objetivos a nacionalização de todos os bancos e seus capitais, como forma de acabar com o controle destes sobre tudo o que é produzido e no que se investe no país.
Também não é apenas o fato de que o PSTU mantém uma fraseologia de “revolução”, enquanto atuam em seus sindicatos vendo demissões (metrô, Embraer, GM), fechamento de fábricas (Embraer), sem fazer ou dar qualquer exemplo de luta ou, como vários dos menores grupos, nem sequer tem influência e relação com a massa de trabalhadores e seus trabalhos precários.

O ponto fundamental do problema é que não apenas tais organizações estão isoladas da maioria dos trabalhadores, como suas ações não se preparam para se ligar a estes e nem aos trabalhadores para o necessário choque contra o Estado e suas “forças fáticas”, como a polícia e o judiciário, quando as explosões acontecerem, novamente, no Brasil.

Em poucas palavras, as organizações ditas “de esquerda” e “socialistas”, adaptadas a vida na “democracia burguesa”, seguem conduzindo todas as esperanças dos poucos setores populares que influenciam para o Estado, sua Justiça e suas instituições, sem nem sequer buscar se ligar aos trabalhadores mais explorados, onde residem as energias mais explosivas.

Como explicar que num país de 14 milhões de desempregados, não existe uma ação comum das organizações para organizar e ajudar, seja com cursos, doação de alimentos, criação de espaços de organização comum entre empregados e desempregados, nada, para retomar a consciência de classe de que “trabalhador luta por trabalhador”?

O projeto máximo que apontam - no caso do PSOL - é a eleição de mais parlamentares não para acabar com a exploração do trabalho e, assim, com a concentração e renda, base da acumulação de capital e da desigualdade, mas para “civilizar”, “suavizar” ou “humanizar” a esta, até, talvez, o que considerem níveis mais “toleráveis” dessa exploração.

Nos casos como do PSTU e demais grupos, a ausência de projeto sério é substituída por frases que chamam “rebeliões socialistas”, sem a menor condição e preparação.

Uma revolução é, por definição, um giro brusco que muda tudo, todas as formas das pessoas se relacionarem entre si, de realizar as trocas, a distribuição dos bens produzidos, como estes bens são produzidos na sociedade, enfim, uma alteração no modo de produção da economia e da sociedade.

O momento crucial e a coroação de uma Revolução é a insurreição.
Quando a “energia” dos trabalhadores e oprimidos, não mais como levantes difusos e espontâneos, mas organizadamente, se dirige ao poder e o arranca das mãos de seu antigo dono (em nosso caso, a burguesia e suas instituições)  inaugurando a construção de uma nova sociedade.
Exemplos históricos são abundantes e, neles, uma coisa é certa: a insurreição é um ato prático.  

Ela demanda preparação, apoio das maiorias do povo, planejamento, tomada de posições (literalmente pontos econômica e estrategicamente relevantes da cidade) enfim, estratégia e, esta, se desenvolve da estratégia de poder organizada bem antes de ser visível o momento possível de uma insurreição.

Sem isto, motins, levantes e revoltas acontecerão como sempre na história da humanidade, mas não haverá solução, tanto para o problema da exploração do trabalho, a base da desigualdade sob o capitalismo, nem para qual nova sociedade colocar no lugar do capitalismo.

Nossa esquerda partidária atual está, teórica e praticamente, muito distante de oferecer respostas e, de sua atual posição, não oferece mais do que performances teatrais parlamentares e sindicais que tem em comum o abandono, na prática, da luta pela superação do capitalismo.

A cada novo levante como no Chile e no Equador, se coloca a questão do Poder, de “quem manda na cidade”, na fábrica, nas terras, no país, em suma, coloca-se a questão de projeto de sociedade nas mentes de todos os que assistem e participam.

Estas oportunidades são únicas para os revolucionários responderem com suas idéias e práticas que a melhoria de vida não pode vir com a administração do capitalismo, que a riqueza numa ponta significa pobreza na outra.

São as chances de obterem influência e, junto dos trabalhadores, a classe social que produz tudo, construírem uma organização que se aproxime mais e mais da influência e organização necessárias para, no momento decisivo, realizarem a insurreição e a tomada do poder, que dará início a um novo governo das maiorias e ao fim do capitalismo no Brasil e, assim, em outros países do mundo. 

Quanto mais hegemônica e alastrada for a influência dos trabalhadores revolucionários, menor será a resistência e, assim, violência dos atuais “concentradores de renda”, tornando a revolução o menos violenta possível, algo desejável por qualquer marxista.

Maiores serão, também, as energias para construir a nova sociedade e um governo democrático de representantes sem privilégios salariais, revogáveis, eleitos e controlados diretamente pelo povo, realizar a industrialização, a universalização do acesso a educação, saúde, moradia, transporte e alimentação e, enfim, construir um projeto de país e de mundo que, conforme outras revoluções eclodam em outros países, somem a solidariedade dos trabalhadores de todos os países para enterrar de vez este sistema de exploração.

Este é um projeto que demanda uma construção através da estratégia revolucionária mencionada. Quando, no entanto, se diz em voz alta, se percebe a distância entre este caminho e o trilhado pela “estratégia” das atuais organizações ditas “socialistas”.

Certamente, no entanto, assim como é muito mais fácil diferenciar na prática as atuais organizações quando o “calor” dos acontecimentos pressionam nossas vidas, também será inevitável que rupturas e fusões ocorram sob a pressão dos erros e becos sem saídas nos quais estas entraram.
Seus militantes refletirão, com a honestidade exigida pelos tempos, o porquê de suas ações terem pouco ou nenhum efeito e, uma vez mais, os mais revolucionários, dentro e fora destes partidos, encontrarão seu caminho.

Enquanto existir exploração haverá luta. E enquanto há luta, há chance de vitória. Desde que a preparemos. 

¹
https://exame.abril.com.br/economia/1-mais-rico-ganha-34-vezes-mais-do-que-a-metade-mais-pobre-diz-ibge/?fbclid=IwAR0IpHciBVGfFXmX95tfW6sxybGuPLx4LbVxKJuXbU3UQ_BsSlnV1RZfzDI
²
https://noticias.r7.com/economia/brasil-fecha-mais-empresas-do-que-abre-pelo-4-ano-seguido-diz-ibge-17102019


terça-feira, 24 de setembro de 2019

Não somos cegos nem estúpidos! Ainda essa de Lula Livre?

Não somos cegos nem estúpidos! Cês ainda tão nessa de Lula Livre?
A crítica da piora das condições de vida do povo trabalhador hoje só pode vir através da crítica da experiencia do PT em seus governos federais. Verdade seja dita: o PT é um partido social liberal, de centro ou centro-direita que, nos 14 anos em que governou o país não realizou NENHUMA reforma estrutural relevante que lhe justificasse ser definido como "de esquerda" ou tendo um "projeto nacional de desenvolvimento". - Reforma agrária? Nada. Agronegócio e venda de commoditties eram carro chefe com a amiga Katia Abreu. --Reforma No Exército? General Heleno comandou as tropas do estupro e crimes de guerra do Brasil no Haiti, os torturadores e criminosos de Estado militares e civis da ditadura morreram velhos e gordos sem punição, os clubes militares seguiram suas semiprovocações saudosistas homenageando torturadores como Ulstra. - Reforma midiática? As mesmas famílias regionais continuaram a comandar a mesma estrutura de rádio e TV em seus Estados e os grandes grupos seguiram recebendo milhões de verbas estatais, sem nenhuma regulação ou democratização midiática. - Reforma tributária? O PT se recusou a acabar com a insenção de imposto sob os dividendos empresariais mantendo o país como um com a estrutura tributária das mais regressivas e penalizadoras contra os pobres do planeta. Pelo contrário, o PT aplicou o neoliberalismo, com "concessões" que eram verdadeiras privatizações de ferrovias, estradas, aeroportos, fomento aos monopólios da educação privada, uma explosão de cargos terceirizados, menos remunerados, mais sujeitos a abusos por parte das empresas e com dificuldades adicionais de organização, sindicatos pelegos e inseguranças jurídicas. Também garantiram a aprovação da lei de drogas, de 2006, por Lula, responsável pelo aumento vertiginoso das prisões de jovens negros e periféricos no país e uma das bases da atual guerra as drogas que é o pretexto do controle social através do genocídio do jovem preto no Brasil. Da mesma forma, sem pestanejar manteve a entrega religiosa de quase metade do orçamento para pagar juros da dívida pública a meia dúzia de bancos, enviou tropas para massacrar a população do Haiti e, no fringir dos ovos, quando os mestres do mercado financeiro anunciaram a chegada da crise, em 2014, e Dilma se viu diante de um dilema e tomou sua fatídica decisão: Embarcou na austeridade e colocou Joaquin Levy (esse mesmo que Bolsonaro colocou no comando do BNDES e depois demitiu) como ministro da economia. O resultado? Corte de 30% das verbas de universidades federais, cortes no fies e prouni, dificuldades para acessar o seguro desemprego e uma agenda de cortes contra o povo. A experiência, no entanto, foi interrompida com o golpe que derrubou Dilma e colocou Temer para fazer o serviço sujo mais rápido em 2016. Hoje, o #LULALIVRE significa a concretização da estratégia PTista de culto a personalidade de Lula que, apesar de realmente estar preso injustamente, visa apenas a manutenção de uma sobrevivência eleitoral e, assim, material, psicológica e financeira de uma burocracia profissional PTista. Ora, fossem outros os interesses - os do povo, por exemplo - as reformas que lançaram a miséria de volta as cabeças dos miseráveis teriam encarado forte resistência de PT e seus parceiros sindicais da CUT e CTB. Mas não A reforma trabalhista passou tranquilamente e com ela se levaram milhões de empregos e se lançaram dezenas de milhões no desemprego e trabalho informal. Sem falar na perda da remuneração pelos feriados e fins de semana e a aprovação da reforma da previdência que acabou com a aposentadoria, na prática, para a maioria dos brasileiros tudo sem nada além de atos teatrais, palanques eleitorais e encenações parlamentares. A política de crédito barato e de pequenas concessões sociais, com grandes lucros a bancos e monopólios industriais, eram o sonho prometido PTista. Voltam, após a interrupção, como luzes em meio ao pesadelo bolsonarista. Acontece que esta política, combinada com a "coexistência pacífica" com os grandes magnatas e políticos burgueses, a velha conciliação de classes, degenerou também e há tempos com o PT e hoje não é possível num cenário de recessão mundial que se avizinha. O fato de Lula estar preso injustamente não significa necessariamente que a bandeira de Lula Livre seja a que melhor responde as necessidades de luta dos brasileiros hoje. Na realidade é bastante o oposto. O povo precisa de organização. De ação como um só corpo. Para isso ele precisa criar suas ferramentas críticas a todo o processo passado e que apontem para um corpo de idéias e um programa político para transformar o Brasil. Hoje por hoje, a direção do PT, já acostumada as frivolidades da vida burguesa e dos ritos parlamentares, usam o Lula Livre como forma de conduzir uma base eleitoral para as urnas e, assim, a sua ressurreição, ou quem sabe, apenas sobrevivência, em 2020 e 2022, caso ocorram eleições. Isto é uma forma de "domesticar" a esquerda, sendo o PSOL sua mais disciplinada cobaia, evitando, assim, que surjam alternativas a sua esquerda que compliquem seu plano eleitoral e eleitoreiro (que, julgam que dará certo, desde que um ou outro protofascista do bolsonarismo não decida realizar aventuras autoritárias mais abertas.) Nem mesmo essa direção quis libertar Lula com mobilização popular quando esse se entregou para dar início a epopéia eleitoral e nunca sequer ligar sua liberdade a luta contra as reformas. Calculo político simples, arranjo bem maquiado, essa é hoje a essência da política PTista, que surfa a experiência interrompida que uma parcela dos trabalhadores e da classe média fazia com o PT. No Brasil dos assassinatos de Ágatha, perdemos o direito a digressão e a distração. É mais do que a hora de tomarmos vergonha na cara e olharmos a realidade passada de maneira crítica, como condição para preparar o futuro. O oportunismo e a defesa de privilégios, sejam os da ganância, sejam os da preguiça (aquela que prefere nos manter nos confortos do autoengano) são as forças motrizes daqueles que, hoje, maquiados de revolucionários, atuam como advogados petistas sem entender que o Brasil necessita de um ressurgimento político e que esse se dá em choque frontal com o PT. Na luta contra o protofascismo que se avizinha mais e mais das pretensões hegemonistas e autoritárias de uma ditadura, esta sim, possivelmente fascista, as coisas tem de se chamar pelos seus nomes. Os trabalhadores brasileiros precisam debater o que existe muito claro em suas vidas e que é o verdadeiro grande problema do Brasil: a desigualdade econômica abismal provocada por uma luta de classes escancarada! E nesta, atualmente nos encontramos em uma guerra que a burguesia desfere para a base da pirâmide social aceitar viver menos, com menos salários, com mais exploração e repressão: um novo pacto social. Contra esta necropolítica, realizada por entreguistas e falsos moralistas, capitalistas e rentistas degenerados de todo tipo não existe outra linguagem que a Revolução. E para quem concilia, esta é uma palavra proibida. Que nossa geração e estas que se aproximam descubram, (h)a tempo, as virtudes da transgressão das tradições e do profano na luta de classes e na luta de idéias. Não é apenas Bolsonaro que se tornou um mito canônico. E não é só ele o obstáculo para uma compreensão e consciência de classe coletiva, organizada e baseada na ação direta dos debaixo, no Brasil.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Brasil em mutação e a crise estrutural da esquerda


Trevas tomaram, literalmente, conta da cidade de São Paulo, o maior centro financeiro da América do sul, neste dia 19/08.

Confusos, os paulistanos se espantaram com o encontro entre a caricatura e a realidade resultante do completo descalabro bolsonarista.
Uma onda de queimadas, graças a liberação de Bolsonaro para mais de 500 autorizações de desmatamento, gerou uma nuvem de fumaça que tomou a cidade de São Paulo vinda das regiões do Pará, Bolívia, Paraguai e centro oeste, se espalhando pelo sudeste e nos dando uma prévia de como seria um inverno nuclear.

Inverno que se assenta, por sinal, em todos os campos da vida brasileira, seja político, social, econômico, ambiental ou moral.

Em 8 meses de governo, se estrutura progressivamente, baseado no já anunciado autoritarismo e violência característicos de Bolsonaro, o movimento das peças do movimento de extrema direita do Bolsonarismo, rumo a uma mutação profunda do regime político e das relações sociais e econômicas no Brasil.

Herdeiro, antes, de 1979 e da impunidade dos torturadores e, depois, do impeachment golpista de 2016, apoiado no desvio das energias de questionamento de 2013, Bolsonaro, outrora um insólito deputado fascista, apoiador da ditadura, cuja principal função era fazer eco as vozes do abismo moral e da latrina autoritária, conseguiu se alçar a capitão da guerra social contra os pobres e trabalhadores.

Sua eleição, surfando a enorme crise de representatividade e legitimidade das instituições, aprofundada pelas famílias que controlam a mídia burguesa, foi uma surpresa que, quando se tornou a única alternativa, foi abraçada por todo o grupo de magnatas, estrangeiros imperialistas, latifundiários, especuladores e rentistas.

Para tanto, o azeite das fake News, o esquema milionário de disparo destas pelo Whatsapp, o exército de robôs, a prisão do principal – e favorito - adversário (devidamente recompensada com o cargo de ministro da justiça para o Gangster travestido de juiz: Moro), a flagrantemente falsa facada e seu esquema de acobertamento, que lhe permitiram explorar a comoção popular para vencer sem apresentar propostas ou ir a debates, se fez necessário.

Eis agora, então, que a nau tupiniquim é (des)governada por um candidato que pregou o assassinato de 30 mil “comunistas” – que, diga-se de passagem, pode ser qualquer um que não concorde com ele -, é racista, homofóbico, inimigo dos direitos ambientais, dos povos originários, defende a tortura e tripudia da própria realidade.

Nas cabines da embarcação se encontra a mais pura nata do obscurantismo.

Guiados pelo guru da escatologia Olavo de Carvalho, a ala “Olavista” é dirigida por Jair e seu filho não menos estúpido e escatológico, Carluxo, tendo, além de distribuídas por numerosos cargos de administração pelas estatais ou no  congresso nacional, como figuras de primeiro escalão terraplanistas e alucinados macartistas como Ernesto Araújo, para quem o mundo é dominado por uma conspiração de comunistas e Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente processado por crime ambiental, para quem o aquecimento global não existe.

Seguidos de perto, está a ala dos subservientes, porém ambiciosos membros do judiciário/ministério público que, em choque de ambições com o STF, realiza o serviço sujo da limpeza da lambança bolsonarista nas cabines.

Moro, político de quinta financiado pelos Estados Unidos, outrora travestido de juiz, acompanhado de Dallagnol e sua patota, prestou indispensáveis serviços a Bolsonaro, primeiro lhe permitindo a eleição sem adversário, graças a prisão, sem provas, do candidato do PT - fato, também, legitimado pelo STF - , depois lhe auxiliando no acobertamento de suas relações evidentes com os paramilitares das milícias do RJ.

Queiroz, aquele que depositou dez cheques, totalizando 40 mil reais, na conta da esposa de Bolsonaro foi, assim como Flávio Bolsonaro, filho do fascínora e patrão de Queiroz que, por sua vez, recebeu 48 cheques de 3 mil reais em sua conta, passou despercebido pelos “olhos de águia” do justiceiro Moro.
Da mesma forma, foram ignoradas pelo paladino da justiça as ligações da família Bolsonaro com o grupo que assassinou a vereadora carioca Marielle, o “escritório do crime”, cujo chefe tinha mãe e esposa trabalhando no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Ali, de perto, como nunca desde a redemocratização, se encontra a ala dos militares, hoje, linha dura e entreguista ao mesmo tempo, comandada por Mourão, o vice, defensor da afirmação racista de “melhoramento da raça”, Augusto Heleno, o fascista comandante dos estupros e assassinatos travestidos de missão de paz no Haiti e Villas Boas, o comandante moribundo que ameaçou intervir militarmente caso Lula fosse solto.
Juntos, estes atores parecem atuar nas rebarbas do bolsonarismo, esperando oportunidades de aprofundar seu controle político direto, enquanto deixam as demais alas se desgastarem e servem de garantia “material” para a entrega do petróleo, tecnologia, terras, minérios e todos ataques.

A última fronteira das ilusões - ou o porteiro das cabines -, o STF, esse tribunal de iluminados de cargo vitalício, que não possuem qualquer controle social e nem são eleitos, trata de legitimar, acovardado diante da “política real” feita a bala e assassinatos - Teori Zavascki que o diga - toda a lambança feita pelas demais alas.

No final, é claro, se tratava disto: impor um profundo ataque histórico contra a maioria do povo e os trabalhadores brasileiros.
Diante de uma crise mundial que não dá trégua e, assim, de um enfrentamento entre duas potências em choque - EUA e CHINA-, relega-se ao Brasil a condição de semicolônia plena, exportadora de produtos primários, agropecuários, minerais, e consumidora dos industrializados das grandes potências capitalistas.

Qualquer lampejo de soberania que poderia existir e, com ela, a industrialização, foi jogada no lixo: mais de 3 mil industrias fecharam as portas nos últimos 3 anos, o desemprego bate a casa dos 14 milhões, o subemprego chega aos 32 milhões, quase metade (43%) da população trabalhadora é informal, ou seja, não tem qualquer garantia trabalhista, a extrema pobreza aumenta, o sarampo retorna, segue-se entregando metade do orçamento para pagar juros da dívida pública num esquema fraudulento dos Bancos, enfim, o caos se estabelece.

A reforma trabalhista, vendida como “forma de trazer mais empregos” destroçou a classe trabalhadora brasileira, enfraqueceu decisivamente os sindicatos, jogou milhões no desemprego, impôs a terceirização, piores salários, calou as reclamações judiciais dos trabalhadores, ameaçando-os com os custos dos processos contra seus patrões, acabou com a CLT abrindo margem para que o “negociado” fique acima da lei e se aprofunda com a atual “minirreforma” que, inclusive, permite o trabalho aos feriados e domingos sem hora extra.

A este descalabro se soma o ataque histórico da Reforma da Previdência que, na realidade, acabou com a aposentadoria para os trabalhadores do país, exigindo 40 anos de contribuição e idade mínima de 65 anos para uma população pobre que, além de viver de empregos altamente rotativos por vezes nem a essa idade chega.

Assim, o preço do trabalho diminui, a exploração da “mais valia” se amplia, já que se trabalha mais anos, por mais dias na semana recebendo menos e a capacidade de resistência dos trabalhadores diminui. Este é o objetivo da burguesia estrangeira – em primeiro lugar a estadunidense - e do consórcio burguês brasileiro que vê a crise e se prepara, esfolando o trabalhador, para manter seus lucros e privilégios durante a tempestade.

Em andamento, a guerra social segue enquadrando as massas trabalhadoras num cenário em que não existe melhora a vista. Os preços dos bens primários (commodities) não anunciam subir, o mundo desacelera, a economia piora, as famílias seguem endividadas, os preços sobem, a vida se encarece, a criminalidade explode, o encarceramento e guerra hipócrita as drogas se ampliam, a violência policial se liberta de amarras, lideranças da cidade e do campo são presas e mortas impunemente, assassinatos crescem chegando a casa dos 67 mil, enfim, uma verdadeira guerra civil de baixa intensidade se impõe, com um fechamento do regime político avançando.

Hoje, no “bonapartismo multicéfalo” em que vivemos, as cabeças da Hidra Bolsonarista se mordem, como que buscando uma forma hegemônica que lhes permita estabilidade para comer o prato principal, ou seja, nós.

Nesse cenário, resta responsabilidade enorme as forças de oposição ao Bolsonarismo , particularmente aquelas que se reivindicam de esquerda e/ou revolucionárias.
A crise da república de 88 encontra seu correlato na crise estrutural da esquerda brasileira. E a situação não parece se contornar, nem facilmente, nem a tempo.

Um esquerda confusa e em frangalhos

O ponto de partida para refletir a condição de nossa esquerda é a sua própria definição.
É comum se definir como “esquerda” qualquer agrupamento que venha do PDT, passe pelo PT, siga pelo PSOL e PSTU e vá a esquerda pelas organizações sem legalidade. Esta definição, confusa e que não corresponde a nenhuma análise séria, sociológica ou política, corresponde a um processo social ainda em curso.

Os milhões de trabalhadores e pobres do Brasil não realizaram, ainda, até o fim, sua experiência política com muitos dos partidos que hoje se reivindicam como representantes da esquerda. Não é raro se ver reclamações sobre a fragmentação e divisões internas, como se o motivo para estas fossem algo ou obscuro ou mesquinho. Nada mais distante da realidade que, dia a dia, passa a se demonstrar a olhos nus.

Em 2013, este marco da abertura da luta de classes aguda brasileira, se deu um levantamento espontâneo de milhões em todas as principais capitais. Naquele momento, PT e PCdoB eram governo e, não raramente, se distanciavam voluntariamente da definição de partidos de esquerda, tendo, inclusive, críticas e ações violentas contra as organizações que se apresentavam a sua esquerda, como PSOL, PSTU e demais.

Sabiamente, o consórcio burguês e as mídias a seu serviço, souberam explorar o descontentamento surgido pela desigualdade e encarecimento da vida decorrentes da administração capitalista e conciliação com patrões, marca dos governos PTistas.
Todo o processo se desenrolou, com a Copa do mundo, sua exploração dos trabalhadores e militarização das cidades sede, os verde-amarelos nas ruas e, enfim ,o famigerado Impeachment.

De lá para cá, a direção do PT, empenhada em emplacar uma narrativa vitimista, que apaga que os mesmos que deram impeachment eram os que estavam sob suas asas com poder decisório no governo (como é o caso do MDB de Temer) e que foi a própria Dilma quem iniciou a austeridade econômica, cortes na educação e colocou o homem dos bancos, Joaquin Levy (ironicamente, ex-presidente do BNDES do governo Bolsonaro) no Ministério da Economia, atua baseando-se numa estratégia de duas vias.

Com a prisão de Lula, por um lado, realiza um teatro parlamentar, cheio de imagens, performances e discursos inflamados, para manter o controle do espectro difuso “de esquerda”, fundamentalmente inofensivo dado que são minoria parlamentar; por outro, no terreno das lutas estudantis, de trabalhadores, no campo, mantém silêncio mais sepulcral, primeiro traindo a greve geral em 2017 contra a reforma trabalhista e deixando-a passar sob Temer, para, agora, trair milhões ao aceitar, sem nenhuma luta , a reforma da previdência.

Dirão que fizeram muito no dia 15 de maio (manifestações contra cortes na educação) e mais ainda no dia 14 de junho (suposta greve geral).
Que na primeira data o PT, que dirige a maior central sindical do país, a CUT, tenha impedido que os estudantes e professores usassem o dia para se unir aos demais trabalhadores de outras categorias e que no dia 14, na prática, fosse feito uma encenação de greve, com quase nenhuma categoria importante parando (em SP apenas os metroviários realizaram uma participação parcial), esquecem.

Seguidos de perto pelos pseudocomunistas do PCdoB, o PT, além de trair tais greves e não mover um dedo para organizar os desempregados, os trabalhadores informais, intermitentes, terceirizados, também ajudou Rodrigo Maia, o “Botafogo” da Odebretch, aprovador das reformas e sustentáculo de Bolsonaro, a se eleger presidente da Câmara: Toda a bancada do PCdoB votou em Maia e metade do PT também. Igualmente, enquanto o teatro parlamentar se fazia contra a reforma da previdência, os governadores do PT e desta pseudo-oposição, acertavam com Bolsonaro a implementação da reforma em seus estados no nordeste.
Um verdadeiro jogo duplo!

Desse modo, PT e PCdoB, nem se fale o PDT, um partido burguês comandado por coronéis e que tinha o gangster Paulinho da Força Sindical como presidente até alguns anos, não podem ser definidos como organizações de esquerda.
São partidos que degeneraram e se enquadrariam no máximo na definição de centro ou centro esquerda e que, do ponto de vista da política, são “sociais liberais”, ou seja, implementam a política capitalista liberal, com pequenos acenos sociais para manter uma base de trabalhadores iludidos.

Seu único objetivo é ver Bolsonaro “sangrar” pra colherem frutos eleitorais nas próximas eleições de 2022 que, esperam, ocorrerá caso não surja um golpe clássico no caminho.
Não há qualquer saída “de esquerda” e menos ainda revolucionária que passe pelo PT; pelo contrário, qualquer avanço nesse sentido se dará contra esta direção e resta aos que assim esperam ali, romperem com tal partido.

Mais a esquerda, se encontram agrupações como o PSOL, que, tendo sua origem na ruptura com o PT pela reforma da previdência que este realizou em 2003, retorna a casa de cabeça baixa e, infelizmente, aprofunda seu papel de linha auxiliar.

Este, que em todo este processo não conseguiu ser mais do que sempre foi, ou seja, não um partido, mas um “guarda chuvas” político com dezenas de correntes internas, cada uma com uma política distinta, avança a passos largos para abandonar qualquer perspectiva revolucionária.
Isso se vê tanto em seu programa, liberal e sem nenhuma proposta que aponte num sentido realmente socialista (a despeito de seu nome socialismo e liberdade) apresentado nas últimas eleições, quanto em sua prática e sua composição social, se apresentando como um grupo da “classe média radical esclarecida”, disposta a “respeitar as regras do jogo” e, no máximo propor uma sociedade, esta sim utópica, de um capitalismo humanizado, com a “civilização dos bancos” e a velha conciliação entre pobres e ricos.

Até mesmo seu funcionamento interno se assemelha a mais um partido qualquer, como demonstram as denúncias de fraude na eleição de delegados de seu último congresso e a indicação escandalosa de Guilherme Boulos, do MTST, como candidato a presidência por fora das decisões partidárias, aparecendo como “fato consumado” apenas a uma plenária, sendo que nem do partido era quando articularam.
Tal fato corrobora a tendência de linha auxiliar do PT, vide que a campanha de Boulos foi a pior da história do PSOL, com apenas 600 mil votos (comparados aos 1,5 milhões de Luciana Genro em 2014) e aproximou o PSOL totalmente da narrativa PTista de defesa de Lula e da abstrata “democracia”, retirando qualquer “cara própria” do partido e possibilidade de se colocar como alternativa ao PT.

Que tenham sofrido o repudiável e asqueroso ataque a vida de Marielle, sem sequer exigirem que a investigação fosse independente da polícia e do Estado, por uma comissão de especialistas internacionais ou algo que o valha, diz muito sobre as atuais ilusões dominantes nas concepções dos PSOListas. Assim, a adaptação ao parlamento e as regras que nem mesmo a classe dominante respeita é, hoje, completa, no PSOL. O horizonte socialista, outrora já distante, sumiu de vez.

A esquerda destes se encontra o PSTU - cuja ruptura recente, em 2016, deu origem a uma das alas da direita do PSOL - além de uma constelação de pequenos agrupamentos sem legalidade.

Em comum com estes, o PSTU demonstra o “propagandismo” socialista abstrato, característico de organizações que não tem ligação com a vida cotidiana dos trabalhadores, sendo que, se diferencia pela adaptação aos pequenos espaços sindicais em que ainda tem alguma presença.
Em termos de política, seguem até hoje com sua absurda defesa de que o impeachment foi algo positivo e, mesmo diante da realidade, se negam a enxergar que este não foi fruto da luta dos trabalhadores, mas de uma manobra dos patrões.

Algo coerente com sua visão “objetivista” e absurda de estratégia revolucionária: qualquer movimento que tenha participação das massas vai levar a mais luta, mais vitórias e, assim a revolução; basta aos revolucionários surfar este movimento. O pecado original da chamada “escola morenista” do comunismo cobrou seu preço em 800 militantes que abandonaram um projeto revolucionário e foram para o PSOL.

Se o PSOL se adapta ao Estado Burguês e a ilusão na democracia (que para os pobres, negros e trabalhadores é uma ditadura) pela via do parlamento, o PSTU o faz pela via dos sindicatos e da burocratização nestes.

Dirigentes sindicais mais preocupados com os acordos e a matemática de apoio nas próximas eleições de seus pequenos sindicatos, com os privilégios que vem destes cargos (liberações do trabalho, status, verbas,  etc), ao mesmo tempo em que escrevem textos abstratos para seus jornais sobre “erguer uma rebelião socialista”, “estatizar os bancos e grandes empresas”, “parar de pagar a dívida pública”, não fazem nada diante de ataques onde dirigem, não denunciam o PT e as burocracias sindicais da CUT , CTB e, pelo contrário, posam ao lado destes como se não se tratassem de inimigos infiltrados entre nós.

Exemplos definitivos se observam na contradição: enquanto faziam este discurso “vermelho” nas eleições de 2018, no Metrô de SP, onde o PSTU dirige o sindicato harmoniosamente com o PCdoB, mais de 80 funcionários eram demitidos (dentre eles o que vos escreve) por Dória, avançando na privatização, sem nem sequer uma assembleia, um panfleto, uma atividade ser chamada para se lutar contra.

O mesmo se vê na GM de São José dos Campos, onde o PSTU é direção há mais de 30 anos e que, em fevereiro, desferiu um ataque histórico contra os trabalhadores, reduzindo salários (a média salarial era de 6 mil e cairá para um piso de 1.700 para novos funcionários), acabando com adicional noturno e com estabilidade para acidentados.
Enquanto se canta a revolução, se deixa passar, sem luta, um ataque deste tipo: Esta é a expressão mais clara da adaptação total na qual o PSTU entrou, como resultado de suas adaptações antes e depois de sua ruptura em 2016.

Neste cenário de terra arrasada, são numerosos os ex-militantes e pequenas organizações que, pulverizados, tentam encontrar nas atuações cotidianas vias de impor pequenas resistências a esta ofensiva geral. Não é, no entanto, nada fácil.

Nossa “esquerda tradicional” é herdeira das mesmas contradições que hoje trazem o Brasil para o beco sem saída em que nos encontramos.

Herdeira da absurda lei da anistia de 79 que permitiu a Bolsonaro e todas as raposas ligadas a ditadura seguirem comandando a política no Brasil, gestada pelas lutas operárias de 78 a 80, herdeira da formação do PT na década de 90 e, desde então, seguindo sua trajetória, de maneira mais ou menos conflituosa, de oposição ao regime capitalista até a sua completa integração e transformação como partido capitalista a partir de 2002, nossa esquerda se adaptou completamente a um modelo de política domesticado, limitado, tacanho e engessado.

Sua composição, em geral, baseada nos extratos “radicalizados” da classe média pequeno-burguesa e em setores mais “confortáveis” dos trabalhadores (estatais, categorias de grande importância estratégica), deixaram por anos (principalmente a partir dos anos 2000) milhões de trabalhadores terceirizados, superexplorados, informais, temporários e, agora, desempregados, órfãos de qualquer atuação e representação política.
Assim é que se formou, ao longo dos anos, uma massa indefesa para a ilusão assistencialista vendida pelo discurso PTista ou reféns de gangsters e burocratas sindicais dos sindicatos patronais como Força Sindical, UGT, etc.

Ao mesmo tempo, tais organizações criaram, como estratégia de sobrevivência, todo um “microverso” interior, com seus cargos, afazeres, estruturas hierárquicas burocráticas, jogos informais de privilégios e status e até mesmo um léxico e vocabulário distante, sem preocupação em traduzir e organizar os milhões de trabalhadores órfãos de um projeto de mundo.

Nestas organizações (além do PSTU e PSOL, muitas das menores também),  as intrigas palacianas, ou seja, entre grupos de dirigentes baseados não num projeto estratégico revolucionário, não numa concepção de posições táticas a serem adotadas, mas em afinidades pessoais e amizades, são a regra e movem a ação. A base militante resta o papel de executar o decidido na cúpula e rezar o credo de tal ou qual grupo para encontrar alguma razão no que faz.

A formação teórica marxista, a compreensão do básico da exploração capitalista do trabalho humano (o coração da sociedade capitalista) e de seus mecanismos, das contradições da nova estrutura do trabalho, da importância da ação independente do Estado e dos patrões pela classe trabalhadora, como projeto estratégico de desenvolvimento do país e da revolução, ou seja, tudo o que poderia dotar os militantes de compreensão sobre os “nós” dos problemas de organização e conscientização dos trabalhadores, são abandonados.

No lugar, existe há anos uma militância alienada, que vive de pequenas tarefas performáticas nas universidades de elite ou nos empregos confortáveis estatais, separada por um abismo da vida da massa explorada brasileira.
Abismo lexical, social, ideológico.

Não é de se espantar que o Bolsonarismo tenha encontrado o gol aberto; ocorre que esta esquerda, a esquerda do PT, achou que não precisava entrar em campo.

A situação avança muito mais rápido do que se ergue uma alternativa

A situação é grave e, assim, a sensação de impotência acomete muitos militantes e muito mais os trabalhadores diante da evidente piora das condições de vida.

Estamos diante de uma situação econômica e política que se desenrola muito mais rapidamente do que nossa capacidade de reação.
Para tal “esquerda tradicional” tudo segue bem. Como não tem influência ou sequer disposição de buscar atuar nos problemas fundamentais, vivem de ou pregar uma conciliação “paz e amor” inexistente no horizonte da guerra social em curso, ou de exigir que as burocracias sindicais, como CUT e CTB, PT e PCdoB, façam algo, ignorando seu projeto real.

Para os revolucionários e revolucionárias espalhados pelo país a principal tarefa do próximo momento deve ser resistir e se politizar estudando e mantendo as bases teóricas revolucionárias e buscar um reagrupamento partidário em base a uma estratégia comunista independente dos trabalhadores.

Junto a isto, girar todos esforços para construir uma frente única que retome os sindicatos dos pelegos, organize novas formas de representação e organização dos trabalhadores intermitentes, precarizados e terceirizados, buscar ligação, politização e atuação junto aos desempregados e, assim, criar as bases para uma refundação da esquerda revolucionária brasileira.

Tudo indica que este processo será cruzado por muito mais rupturas e levantamentos espontâneos dos trabalhadores, conforme as condições de vida piorem.
Ter clareza da atual crise e honestidade intelectual para chamar as coisas pelo nome são, no entanto, condições para erguer uma alternativa.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

É muito louca quantidade de detalhes que a gente perde, bicho!



Dia ensolarado. Depois de umas friacas, um dia desses parece que limpa a atmosfera. Alguns anos desempregado permite perceber alguns traços gerais do clima ao passar dos dias.

Um bosque verde desabrochando flores de todas as cores balança levemente pra um lado e pro outro. Nada daquela coisa violenta e esgarçada que as pessoas vêem em filmes.
O vento flui lento, corre, acelera e freia, gerando movimentos variados que encontram, nas árvores, só pequenas ondulações.
Enquanto isso, a luz bate firme sob as abóbadas esverdeadas e reflete nos olhos, com cores meio que preenchidas com um filtro esbranquiçado.

Uma serra é ligada. De cima de um andaime um operário serra piso, serra teto, serra tudo. O barulho áspero e ruidoso da serra dilacera o ambiente, algo perfeitamente natural dada sua criação artificial, ou seja, abrupta para a lenta e imparável evolução das coisas naturais.

Um cachorro, algo um pouco menos alheio a natureza, late, esperneia e resmunga de dentro da sacada do predinho de 3 andares, cada um com 2 apartamentos, cada porta com seu jeitinho.

Lá embaixo um gato se esmiúça dentro da hortinha improvisada entre o início do barranco e o muro que o corta. Entre flores avermelhadas, brotos redondos e amarelados, uns 4 troncos e cinco linhas de arame farpado os cruzando de cima a baixo, o gato olha desafiador e, aparentemente, meio sádico para o cachorro. Talvez zombasse de sua incapacidade de sair por uma simples grade de sacada.

O vento acelera rápido.
Olhando para a esquerda, numa distância de, quem sabe, uns 200 metros , uma árvore enorme que forma uma abóbada tão perfeitamente arredondada que parece que alguém a apara toda semana, dança no ar.
A fumaça da serra se impõe entre a visão e a dança da gigante. Um ladinho pra esquerda, outro pra direita, uma espalhada geral, o vento passa por entre os galhos fazendo toda a árvore parecer um dente de leão que balança mas se recusava deixar voar suas pétalas.
Do seu lado esquerdo, aparentemente imóvel, ainda faz seus gracejos a árvore quase sem folhas, nua, balançando apenas seus pequenos brotos e galhos como uma espécie de esqueleto semimóvel.

É louca a quantidade de detalhes que a gente perde!
Parece que, vez por outra, auxiliado por algum remédio pra romper a monotonia quase inescapável da rotina social, conseguimos ter estes rompantes e olhar as coisas como são. E, derrepente, levar um susto incrível.

Arrancar poesia e, ao menos como atitude mental, resistir a maré de normatização, robotização e alienação talvez seja se dar um tempo para isto: meditar o cotidiano, ismiuçar as camadas do dia a dia, se dar um tempo pra respirar e ver cada um destes detalhes, tão simples que, no dia a dia de obrigações, nos parecem inexistentes.

A serra me era um pouco mais do que um incômodo semiperceptível. As cores me passavam batido. As árvores pouco se diferenciavam daquelas dos quadros da sala. A luz, pouco mais forte do que a do meu quarto. Os tons imperceptíveis, as danças insondáveis, os detalhes embolados na massa do cotidiano.

Foi preciso apenas alguns instantes pra perceber o quão mais rico é o tecido da vida. E como, a disputa por nossa atenção, essa guerra de morte pelos olhos e  vontades humanos, na qual, tantas vezes, contribuímos voluntariamente nestas redes sociais, precisa e só pode ser freada com, além de muita luta e consciência, um momento pra parar e fruir.

Afinal, o único que temos e sob o que nos movemos e geramos qualquer riqueza e trabalho é o tempo. É nesse tecido da vida que nos movemos. E é nele que tudo passa.

Amanhã tomara que eu acorde e ouça a serra ou quem sabe o cachorro... Quem sabe...

quarta-feira, 24 de julho de 2019

O capitulo um da revolução brasileira mal terminou...

O coração da tragédia destes anos que vivemos reside precisamente no fato de que o consórcio de frações e grupos burgueses, nacionais e estrangeiros, aproveitando uma janela de oportunidade e o efeito da desaceleração provocada pelo efeito da crise mundial que, finalmente, chegava ao Brasil, decidiu e percebeu que não mais precisava manter um pacto de convivência com a conciliação.
Percebeu que os oprimidos não apenas perdiam capacidade e estrutura de organização, como a insatisfação que começou a nutrir, produto de um crescimento econômico que não se convertia em benefícios para as camadas trabalhadoras, a não ser através de créditos relativamente baixos e pequenas concessões de benefícios assistenciais, proporcionalmente a acumulação de capital nas mãos do empresariado e dos bancos.
A explosão de junho de 2013 pegou de surpresa mas fez com que o "cérebro" burguês entendesse que chegava o momento da readaptação e uma oportunidade de maior acumulação. E que para isto seria necessário lançar mão de ações de força, ou seja, retomar a tradição da burguesia e dos políticos golpistas brasileiros de maneira aberta e agressiva.
Em última análise, forçar e bancar, social, política e, principalmente, repressivamente, o abismo social que hoje indiscutivelmente separa os interesses e modos de vida dos capitalistas e seus lacaios, de um lado, e a enorme maioria do povo trabalhador e pobre, de outro.
Esta tragédia, concretizada com a traição das organizações como PT e PCdoB que usam uma "aura de esquerda" abstrata apenas para lavar a própria cara diante das traições e manter qualquer alternativa de esquerda e radical travada, impossibilitada de surgir e ganhar influência entre a maioria dos trabalhadores.
Hoje, o papel mais relevante e decisivo de PT e PCdoB é o de impedir, seja elo teatro parlamentar e as traições no sindicato, seja pela política de "se fingir de morto" no cotidiano e na organização das lutas, é o de impedir a radicalização e organização dos trabalhadores contra o centro de sua exploração: os grandes, bancos, grandes empresários e seus gerentes no congresso. Nem sequer esta impressão se constrói.
O povo segue achando que o problema "são os políticos", quando o que se trata é uma guerra entre classe de pessoas e não funções: Grandes latifundiários e magnatas usando a máquina do Estado pra extrair MAIS riqueza, sem contrapartida, do bolso do trabalhador com cortes de direitos, demissões, reforma da previdência e reforma trabalhista.
Não se faz, é claro, porque hoje, estes além de estarem comprometidos com nada mais além de administrar este país capitalista, de maneira capitalista e, assim, beneficiar os capitalistas e administrar a miséria, também ajudaram a criar a idéia de que neste mundo cibernetizado e da pós-modernidade, nem se pode sonhar em um outro tipo de sociedade, uma outra forma de organizar a economia, as relações, o estado, de maneira coletivista, socialista, revolucionária. Este sonho foi arrancado desta geração dos 80 para lá.
Nossa geração sofre uma derrota histórica com a ofensiva autoritária bonapartista, que destrói os mecanismos de proteção social, como as leis trabalhistas e a previdência, destrói a capacidade de trabalho minimamente decente, com a lei de terceirização irrestrita e destrói o futuro desenvolvimento do país com as privatizações e entregas de recursos estratégicos nacionais e com a lei d drogas, com os 700 mil presos e mais de 67 mil mortos por ano, numa política de genocídio e extermínio dos negros e trabalhadores.
Toda esta derrota, cujas bases foram assentadas em 1979, quando a geração em luta não conseguiu avançar, por responsabilidade de suas direções políticas, e teve de estabelecer um pacto com os mesmos torturadores, políticos da ditadura, empresas financiadoras da ditadura, figurões políticos e territoriais da ditadura, concretizado na Lei da anistia e nesta democracia tutelada, onde pode tudo, desde que o Milico não se incomode, está acompanhada de outra grande transformação histórica.
Nossa geração entra na próxima fase de reestruturação produtiva, ou seja, de transformação nas relações de trabalho, agravadas pelo desenvolvimento tecnológico, a informatização, automação, terceirização irrestrita e uberização do trabalho.
Esta bomba histórica e social coloca diante desta geração e as próximas nos anos que estão por vir um desafio histórico sem precedentes tanto do ponto de vista da organização dos oprimidos para a luta contra a exploração, quanto para a reflexão e percepção precisa de de qual maneira o desenvolvimento da Inteligência Artificial pode golpear a força do trabalho contra o Capital.
Isto implica que, talvez, passemos por um tempo relativamente prolongado de lutas espontâneas, erupções sem direção e por esgotamento até que os revolucionários que passarem por esrte processo de "seleção natural" de quadros, começarão a tratar de dar forma consciente e organizada ao movimenbtos destes trabalhadiores terceirizados, intermitentes, uberizados.
Construir as futuras, comissões, sindicatos, associações, combativas e independentes em relação ao estado e o patrão talvez seja a tarefa que nos próximos 5 ou mais anos deverão, por força dos acontecimentos da vida, levar a frente os verdadeiros revolucionários e trabalhadores conscientes.
Isto pode, numa perspectiva de uma década ou mais, e provavelmente deve ser a única forma a partir da qual poderá surgir uma alternativa política, um partido realmente fundido, presente, pertencente e construído pelos trabalhadores brasileiros, capaz de se colocar perspectivas e uma estratégia de transformação social, contra-ofensiva contra o capital e tomada do poder.
No futuro livro da, possível e desejável, ainda que trabalhosa e tortuosa, Revolução Brasileira, junho de 2013 será marcado como o Capitulo Um. E eu arrisco dizer que ainda nem viramos a página para o próximo.
Uma grande obra há a frente. Ver claro na escuridão é a melhor maneira de superar a angústia do trajeto.
Avante.