terça-feira, 2 de junho de 2020

Sobre o ato "pela democracia". E o peão?

Sobre o ato "pela democracia" organizado pelas torcidas hoje:

É evidente que, conforme a crise política se torna mais aguda, o impulso a ação e a vontade de responder na prática os absurdos realizados pelo governo federal, Bolsonaro e cia, crescem.

Isto é, sem nenhuma dúvida, extremamente progressista, legítimo e ajuda na luta dos trabalhadores.

Mas toda a ação precisa, em geral, em qualquer momento e, mais ainda, em meio a uma epidemia, ter uma estratégia.
Em qualquer ação a pergunta "quem ganha e quem perde" é central e deve ser feita por qualquer um de nós, peões, assim como é feita por nossos inimigos, os magnatas, patrões e seus gerentes.

O ato de hoje contou com não mais que, chutando alto, 600 pessoas. Foi chamado em uma defesa "pela democracia", ou seja, em defesa deste regime político contra um suposto fascismo que a estaria ameaçando.

Existem interpretações das mais diversas sobre o que pode significar esta luta "pela democracia".
Na boca de PT é uma coisa, na do PCdoB é outra, na de Rodrigo Maia é ainda outra e na dos participantes do ato em SP, provavelmente outra e muito diversa, heterogênea.
Afinal, "democracia" é uma abstração.

Na semana em que João Pedro foi morto, com tiro pelas costas e após algumas semanas de um rapaz ser sequestrado e morto pela PM enquanto esperava a entrega de delivery na frente de sua comunidade em SP, ocorreu também o episódio do Burguês de Alphaville que, após agredir sua esposa, humilhou o PM chamado para atender o caso e disse que iria foder esse "PM de merda", porque ali não era "periferia não".

Veja, nesses episódios fica claro: existe liberdade de expressão, organização e até de cometer crimes sem grandes consequências nessa sociedade.
Para o rico burguês.
Para o pobre e, principalmente, o preto, a democracia oferece o destino de João Pedro a uma taxa de um morto a cada 23 minutos.

A democracia para o burguês é uma ditadura para o pobre. E essa taxa não surgiu agora, com bolsonaro, mas perdura há décadas no país, mesmo só nos governo ditos democráticos.

Nós estamos diante de um governo claramente com tendências autoritárias. Fato.
Mas o problema não é uma figura, Bolsonaro ou Mourão. O problema é que existem milhões de Bolsonaros e Mourãos, empresários, magnatas e aqueles de classe média semifalidos, que os sustentam. É uma luta de classes, com interesses opostos entre elas.

Isso fica claro desde antes da pandemia.
Reforma trabalhista acabou com empregos minimamente aceitáveis. Terceirização total precarizou milhões com baixos salários e longas jornadas. Hoje 57 milhões vivem desempregados ou na informalidade. Reforma da previdência ACABOU com a aposentadoria do pobre, com a maioria afetada que ganha até 2 mil reais.
O governo federal entregou 1,4 trilhões para bancos e outros tantos bilhões em isenções, junto dos governos estaduais, NA PRIMEIRA SEMANA DA EPIDEMIA para empresas. Pro peão, ainda não entregou nem a segunda parcela dos miseráveis 600 reais.

O que o peão está pensando nessa situação toda?
Que é preciso salvar a democracia?

Aqui embaixo, nós estamos pensando, desesperados, quatro coisas muito simples:
-  Sem ter renda ou emprego, como sobreviver sem pegar o vírus?
- Como saber quando isso vai acabar?
- Como pagar as contas que aumentam sem ter renda?
- (sendo obrigado a trabalhar em algo não essencial) Como não perder este emprego?

São interesses legitimos, concretos e materiais que podem e precisam ser respondidos (e não são por ninguém) em palavras e ação:
- Salário pago para todo trabalhador não essencial (tirem dos lucros das empresas e do que devem ao Estado)
- Proibição de demissões
- isenção de cobrança de luz, água e gás aos trabalhadores.
- testagem em massa para saber o estado da epidemia e projetar seu fim.

Porque estou dizendo isso?
Porque como disse, temos de sempre perguntar quem "ganha e quem perde" e, ainda mais agora, qualquer ação direta precisa ter estratégia.

E qual é o objetivo desta estratégia? Para nós só pode ser salvar vidas e arrancar conquistas que interessam a vida dos trabalhadores.

Na boca de PT e cia, a "defesa da democracia" significa nada mais nada menos que eleições, ou "voltar a fábula do paraíso na terra dos governos petistas". No melhor dos casos "impeachment e eleições gerais" pra venderam seu peixe e voltarem ao poder. Uma vez lá, vão vender a mesma ladainha de que "tudo vai melhorar gradualmente" "por dentro do Estado" e através dos programas do governo.

Esse oportunismo não só ignora que o problema não é uma pessoa, Bolsonaro, mas toda uma classe burguesa que existe e vai seguir existindo, que, ainda hoje, em sua maioria, o sustenta.

Neste ato, é óbvio, nem todos compartilham desta visão.
De nenhuma maneira deve se dizer que é um ato meramente petista ou que os que ali estão são irresponsáveis. Muitos estão tentando lutar da forma que pensam ser melhor. E é nesse sentido que a crítica pode deve lhes fazer pensar. Para evitar que sejam ações usadas e funcionais justamente a está linha petista, pdtista, enfim, oportunista e que não resolve nada pro peão.

Milhares ou centenas de milhares de trabalhadores não vão sair as ruas para defender "a democracia". Essa democracia, inclusive, em minha opinião não vai se fechar ou cair, fechando congresso e STF. Nenhum setor dominante da burguesia ganharia nada com isto.

Esse regime político já deu lugar a uma forma mais deformada de si próprio, onde os peões serão vigiados por programas do governo na internet (projetos já em tramitação na camara), organizações tipificadas como terroristas e não haverá espaço, sem luta, para nenhuma esquerda que não seja domesticada.
Tudo isso mantendo a fachada de democracias e eleição (fraudadas com fakenews e disparos de whats, etc), como na Bolívia, Honduras e como tentaram na Venezuela.

Nesse sentido, organizar ações com essa bandeira, não só não atrai a massa de trabalhadores como municia os inimigos burgueses e bolsonaristas a isolar estas manifestações ("democracia? Olha lá os esquerdistas xaropes espalhando vírus por nada, pra defender o PT").

Da mesma forma, a própria disseminação da doença pode se dar em nossos atos. Se faremos isto, nos arriscarmos nessa situação, não pode ser por um motivo e bandeira equivocados.
Quem ganha?

Agora, imaginemos um movimento nacional por salário para manter o isolamento, testes aos milhões para entender a epidemia e proibição de demissões.

Atos que comecem assim, com 500, indo pra mil, dois mil, 5 mil. Exigindo aquilo que interessa e é uma exigência MÍNIMA dos trabalhadores, que não aceitam que o lucro esteja acima da vida.

Me parece que não apenas poderia ganhar milhões em apoio geral na sociedade como, colocando o peão no protagonismo, arrastaria categorias a greves, arrancaria direitos e, aí sim, desestabilizaria o governo, abrindo caminho pra vitórias históricas e por uma democracia real,ndos trabalhadores.
A burguesia está convencida de que pode deixar o povo morrer e esconder os dados. Ao se negar a atender estas exigências, isso ficaria mais claro ainda, o próprio conteúdo falso e burguês desse regime "democrático". Não existe igualdade. Existem classes.
Quem ganha?

Não se trata de dizer "fiquem em casa".
Se trata de dizer: "Vamos pra rua, mas vamos sair pra vencer".

Um passo nesse sentido, além de dar protagonismo para o povo trabalhador, traria participação de milhares e apoio de milhões, como a defesa dessa abstração de "democracia", que qualquer peão sabe que não existe na realidade, jamais poderá fazer.
Por isto vale a pena lutar e se arriscar em uma epidemia.

Nenhum comentário:

Postar um comentário